Certa vez escutei Pe. Raniero Catalamessa em uma de suas conferências disse: “Diante do mistério da Cruz, devemos nos calar, silenciar”. Inspirado por esta frase, quero meditar convosco, acompanhado por Maria, a Virgem Silenciosa que estava aos pés da cruz, amando o amado, se imolando com o imolado, e no seu silêncio se oferecendo ao Pai, juntamente com o Seu Filho, quero contemplar a paixão do Senhor.
Percebemos que toda a vida de Maria, foi orientada para a Cruz, e como disse Simeão: “Uma espada lhe traspassará o coração!”. Peçamos neste momento que a Virgem do Silêncio nos ajude a mergulharmos no mistério da Paixão, para que estejamos com ela aos pés da cruz, com o coração, nos sentimentos de Jesus, sentindo com Jesus.
Desejo fazer primeiramente uma lectio divina sobre a paixão, e em seguida meditar a Cruz em nossas vidas.
Este ano a Igreja nos apresenta a Paixão, segundo João (cap. 18), o qual possui um olhar profundo e teológico, diferente dos demais evangelistas, mas para mergulharmos na Paixão de João, é mister conhecer um pouco mais do olhar teológico dos outros três evangelistas.
Na paixão narrada por Marcos, percebemos que o seu objetivo é dizer: “Verdadeiramente este é o Filho de Deus!”, como afirma o centurião pagão, ao fim da crucificação.
Na paixão narrada por Mateus, percebemos o seu objetivo de dizer e mostrar que Cristo é o Messias esperado, e que Nele se cumpri a Escritura, pois é ele o servo sofredor de Isaias ( cap 52 ).
Na paixão narrado por Lucas, percebemos que Jesus depois que aceita a agonia, tudo se torna em seu caminho milagre e ternura, Pilatos que era inimigo de Herodes, se tornam amigos, Malco o soldado que tem sua orelha cortada pela espada de Pedro, é agora curado, o ladrão na cruz é perdoado e tem garantido o paraíso, e etc.... A misericórdia se manifesta.
Mas para João, a paixão, a crucificação é o cerimonial da coroação de um rei, o qual não exerce o poder do mundo, mas do amor, da humildade, do serviço feito sagrado.
Na Paixão de João, o colóquio de Jesus com Pilatos, ocupa um terço do texto, é o diálogo do poder deste mundo, com o poder do céu, do rei deste mundo, - Pilatos - representante do Imperador Cezar, o qual era tido como deus, com o Rei dos reis, com o Deus filho – Jesus -, que diz “o meu reinado não é deste mundo”.
João inicia narrando a paixão mostrando a entrega de Jesus de modo triunfante.
“A quem procurais? Responderam: ‘A Jesus, o nazareno’. Ele disse: “Sou eu.”, ou seja, Jesus responde com o mesmo nome de Deus, “IHAVHÉ”, somente agora ELE se apresenta explicitamente como o Senhor, como Deus, pois, agora diante da paixão, da iminente tortura, que o deixará irreconhecível fisicamente, Ele diz quem Ele é, pois agora, não seria mais possível ser confundido com um rei poderoso que viria cheio de glória.
Conduziram Jesus Primeiro a Anás, o qual já havia decretado a morte de Jesus dizendo: "É preferível que um só morra pelo povo", e foi o que aconteceu. A narração continua dizendo que Pedro o trai durante o tempo do interrogatório: “Não és tu também um dos discípulos dele? Pedro negou: "Não!".
Sendo Jesus depois conduzido a Caifás, e após a humilhação, a Pilatos, figura do homem que procura Deus, e o rejetia para não perder o seu status, diria hoje para não ser discriminado por viver e dar testemunho do Cristo diante da sociedade.
Pilatos faz o jogo político, joga com o Sinédrio, e por sua vez o sinédrio com Pilatos, pois ambos se odiavam, ambos tinham o seu poder divido, e não queriam submeter-se um ao outro. O Sinédrio tinha o poder religioso, podia movimentar o povo, mas não podia executar o que queria, a morte de Jesus, e por outro lado, Pilatos tem o poder de mandar matar Jesus, mas não tem o carisma e a autoridade perante o povo, e no meio dos dois, da luta dos poderes deste mundo está Jesus, submetendo-se a autoridade, porque por meio dela se cumpriria e se manifestaria a vontade de Deus, e embora Pilatos fosse seguro e convencido que poderia manipular a situação, como também o sinédrio que fazia de tudo para chegar ao seu objetivo, Jesus se deixa conduzir, sabendo que tudo seria consumado, que a vontade do Pai se manifestaria em cada situação.
“Pilatos, chamou Jesus e perguntou-lhe: ‘Tu és o rei dos judeus?’ Jesus respondeu: ‘Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto de mim?’, e por fim, Jesus diz: “Tu o dizes”, porque não é evidente, reconhecer Jesus é um ato de fé, do qual é necessário a minha confiança, o meu crer.
Pilatos percebe que estava diante de um rei, que tinha o seu reinado em outro mundo, mas o condena, e solta Barrabás (o fato interessante é que este nome é enigmático, pois traduzindo-o do hebraico, significa ‘filho do pai’, e em lugar deste assassino, Jesus é entregue, ele que é o verdadeiro filho do Pai, sendo entregue, morre também por ele, e este homem que era filho de um pai não identificado, é liberto, e pela morte de Jesus, também é assumido como filho adotivo do Pai).
Jesus é flagelado, e de forma irônica é feito para Ele todo o ritual da cerimônia de posse de um imperador, é coroado, mas com a coroa de espinhos, é vestido com o manto vermelho, mas manchado de sangue, é dado-lhe um cajado, como cedro de poder, e diante dele, os homens os soldados, ironizam, prestando-lhe um falso culto de adoração, cuspindo-lhe na face e esbofeteando-lhe. E João diz: “Então Jesus veio para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto vermelho. Pilatos disse-lhes: “eis ecce homo”, Eis o homem!”. Pilatos sem saber com esta frase profetiza, pois é a humanidade assumida de modo total, profundo e verdadeiro, em Jesus, o verdadeiro homem, o homem tão humano que só podia ser Deus.
Jesus escolhe se humilhar, sendo Deus, não busca vantagens, mas trilha o caminho da humilhação, e isto questiona-nos. Jesus não busca a glória humana, vinda de homens, mas aceita a glória que o Pai lhe oferece, a cruz, e hoje Deus também me pede esta capacidade de amar, de obedecer, pois não é importante ser isto ou aquilo, ser pobre ou rico, ser doutor ou analfabeto, leigo ou padre, doente ou sadio, ignorante ou inteligente, o importante é amar, doar a vida, é estar unido com Jesus e ser um com Ele, ser santo.
Nós queremos um Deus assim? Queremos ser crucificados com Ele?
A Manifestação da divindade de Jesus se dá na cruz, na doação de si mesmo, e mesmo se os homens, os pregadores, confundirem a loucura de Deus, pela loucura do mundo, a cruz permanece em eterno, como o sinal da potência do amor de Deus, que se oferece a si mesmo por amor.
A cruz, como disse Paulo: “é escândalo para os gregos, e loucura para os gentios” e para nós, qual é o seu significado?
A cruz não é a aceitação de um sofrimento que Deus quer me dar, o sofrimento faz parte da vida normal; a vinda da Cruz na minha vida, não depende do meu consentimento, pois Deus tem a liberdade de agir, a vinda da cruz na minha vida, não depende exclusivamente da minha permissão, porque ela faz parte do seguimento de Jesus, ela vem porque Deus quer me fazer semelhante ao Seu Filho, ela vem para o meu bem. Então a cruz vem como garantia que estou vivendo de modo intimo e profundo o seguimento de Cristo.
Simão de Cirene, que passava pelo caminho quando Jesus carregava a cruz, a ele, diz o evangelho de Marcos, “os soldados romanos obrigaram um certo Simão de Cirene a carregar a cruz!”, ele não havia pedido a cruz, ele não a desejava, ele não queria carregá-la, mas a ele a cruz foi imposta!
São Paulo carregava a sua cruz, a qual chamava de “um espinho na carne”, ele mesmo diz: "Pedi ao Senhor por três vezes para me tirar este espinho da carne, mas o Senhor me disse: 'Basta-te a minha graça!'”
Na mensagem de Nossa Senhora Rainha da Paz, do dia 25 de março de 1997, a mãe nos diz: Queridos filhos, hoje eu os convido, de uma maneira especial, a tomar a cruz nas mãos e a meditar sobre as chagas de Jesus. Peçam a Jesus que cure as feridas de seus corações, que vocês filhinhos, receberam durante a vida por causa de seus pecados ou por causa dos pecados de seus pais. Somente assim compreenderam que o mundo necessita de cura, da fé em Deus criador. Através da paixão da morte de Jesus na cruz, compreenderam que somente com a oração, poderão também vocês tornarem-se verdadeiros apóstolos da fé, vivendo na simplicidade e na oração a fé, que é um dom. Obrigada por terdes respondido a minha chamada!”
Esta mensagem, vem de encontro com a leitura que acabamos de ler do profeta Isaias 53,5 que diz “Ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e as suas feridas, foram o preço da nossa cura”.
Que grande mistério de dor e de amor, pelas suas chagas nós fomos curados, fomos reconciliados com Deus novamente, o seu sangue derramado foi o preço da nova e eterna aliança.
Neste canto do servo de Javé, podemos perceber uma chave importantíssima para entrarmos no mistério do calvário, pois lá, foi realizado o maior ato de amor, e a cruz nos testemunha que: “Não a maior prova de amor, do que doar a vida pelos amigos!”
Jesus como o servo de Javé, é escolhido desde o seio materno, é o que sofre calado, carrega o peso e o crime, como sendo o culpado, é inocente e suporta tudo com paciência, sendo ferido de morte pelo seu povo, e pelos nossos pecados. Jesus, o servo sofredor, sofre o mistério do sofrimento, sem ódio ou vingança, salva o mundo pelo seu sofrimento, pela sua misericórdia e amor, para mostrar que a salvação vem do perdão, vem do sangue derramado. Sofre também para nos ensinar que o sofrimento, seja ele físico ou espiritual, é algo de grande valor aos olhos de Deus, quando sofrido, aceito com alegria, com a intenção de sofrer por amor ao Senhor, e unido a Ele.
Quantas pessoas, são taxadas de vidas sem sentindo, como os deficientes físicos, os doentes, os marginalizados. Que imensa multidão também no mistério do Calvário, se une ao servo sofredor, que se encarnou, e encarnando-se em nossa humanidade, assumiu toda a nossa vida, todo o nosso pecado, todo o nosso sofrimento, para dar-nos a oportunidade de ressuscitar com ele, a nossa esperança.
Embora pareça que a experiência da dor, do sofrimento contradiga a boa nova do amor de Deus, destruindo a fé e a esperança, possamos perceber que ela, põem radicalmente em questão o nosso modo de conceber a salvação, a qual como dissemos tem o preço do sangue derramado de forma gratuita e amorosa.
Sem a cruz, podemos dizer que a esperança, é ilusão, é vazia, como também uma cruz sem esperança não é a cruz de Jesus., pois Ele é totalmente solidário conosco, na nossa humilhação, sofrimento e morte, Ele é o Emanuel, o Deus que caminha conosco. A cruz garante para nós, a certeza de não estarmos sozinho em nenhuma situação, pois ela é a nascente de uma nova esperança, de uma nova vida, da esperança de sabermos que hoje vivemos o vale de lágrimas, a paixão, mas que nos colocando, ou melhor, nos deixando pregar do outro lado de sua cruz, e ser elevados com Ele na cruz, podermos ser também elevados com Ele ao paraíso.
Assim diante da dor, não devemos fugir, mas aceita-la, nos abandonando nas mãos do Pai, como também Jesus se abandonou, sabendo que muitas vezes estas mãos tem a forma de cruz, e como diz Paulo na carta aos Romanos: “Se participamos dos seus sofrimentos, participaremos também da sua glória”.
Hoje Jesus morre, e isto para nós não deve ser apenas uma bela frase, mas deve também se fazer em nossa vida, ou melhor, também nós devemos morrer para o mundo do pecado, para as nossas vontades e más inclinações, morrendo com amor, sem rebeldia, pois Jesus nos ama até mesmo quando nós o negamos como Judas e Pedro, com o nosso pecado, quando nós o crucificamos com as nossas atitudes egoístas, quando nós o culpamos pelos acontecimentos desagradáveis em nossa vida, quando nós o traímos servindo aos ídolos oferecidos pela sociedade que prega o hedonismo, o materialismo, o prazer. Mas Ele não nos deixa de amar, e seu amor é tão grande que deixou uma prova, uma cruz, a qual se torna por excelência, o livro do amor de Deus por nós, no qual o Senhor escreve o meu nome, o teu nome por toda a eternidade, mas este livro, é apenas capaz de ler aquele que aprende a ler e viver a linguagem da Cruz, do sofrimento na aceitação com alegria e amor.
Se O acolhemos, Ele permanece ao nosso lado, mesmo quando tudo parece escuro, pois os pregos de seu amor, de forma mística, também nos traspassa, e nos une ao seu imenso amor, e com Ele vivemos crucificados, vivendo o mistério do Eterno amor. Se o acolhemos como o Crucificado de nossas vidas, e dizemos o nosso sim, Ele nos dá uma nova vida, um novo batismo em seu sangue, quero dizer, uma nova efusão do seu Espírito, e entrega o seu Espírito Santo sobre nós.
Por isso não tenhamos medo de nos oferecer ao Senhor, de abraçar a sua cruz, de vivê-la, para que em nós, no mundo, na nossa paroquia, na nossa família, se cumpra a vontade do Pai.
Neste dia Santo, ofereçamo-nos ao Pai, juntamente com Cristo, pelas mãos de Maria, cansagremo-nos com todo o coração, com um minuto de silêncio diante da cruz, pois como disse Maria Rainha da Paz: “dela emana grandes graças”, contemplemos o amor de Deus por nós, por mim, por você, e meditemos o sacrifico redentor, que nos liberta e nos salva das mãos de satanás, pelo ato puro de amor e obediência de Jesus.
Sejamos obedientes a Deus, a sua palavra, deixemos a vida de pecado, de adultério, de infidelidade a Deus e aos homens, a exemplo de Jesus que em tudo foi obediente ao Pai, e como nos diz Paulo na carta aos Romanos: “Como pela desobediência de um só todos foram constituídos pecadores, também pela obediência de um só, todos somos constituídos justos”.
Unamos a nossa cruz, a Cruz do Salvador, porque é Nele que somos oferecidos ao Pai.
Quero termino com a revelação de Jesus a Santa Faustina, em que Jesus pediu:
Às três horas da tarde, hora exata da minha morte, implora a Minha misericórdia especialmente para os pecadores, e ao menos por um breve momento reflete sobre a Minha Paixão, e acima de tudo sobre o abandono em que me encontrei no momento da agonia: essa é uma hora de grande misericórdia para o mundo inteiro. Permitirei que penetres na Minha tristeza mortal. Nessa hora não negarei nada à alma que me pedir em nome da Minha Paixão (Diário 1320).
Oremos: Vós morrestes, Jesus, mas uma fonte de vida jorrou para as almas, e um mar de misericórdia se abriu para o mundo inteiro. Ó Fonte de Vida, Misericórdia Divina inescrutável, envolvei o mundo todo e derramai-vos sobre nós (Diário 1319).
Ó Sangue e Água que brotastes do Coração de Jesus como fonte de misericórdia para nós, eu confio em Vos.
FINALIZO COM A JACULATÓRIA ENSINADA POR JESUS A SANTA FAUSTINA.
PANIE JEZU UFAM TOBIE (Diário 84).
Que nesta semana santa possamos silenciar o coração, tomar o crucifixo nas mãos e amo menos 15 minutos todos os dias meditar no imenso amor de Deus por nós!
Pe. Fernando Tadeu
padrefernandotadeu@gmail.com
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