"HERMENÊUTICA DA REFORMA NA CONTINUIDADE" NA DOUTRINA DE SÃO JOÃO DA CRUZ
As contradições que encontramos na palavra de Deus presente na Sagrada
Escritura, no Magistério Vivo da Igreja, etc., são materiais e não
formais. Se alguém encontrar alguma contradição nos Documentos da
Igreja, tais contradições podem ser do intérprete, e não da Igreja, podem
estar na letra mas não no espírito da Igreja.
Continuação:
"7. Não havemos de reparar, portanto, em nosso sentido e linguagem
quanto às revelações divinas, sabendo que o sentido e linguagem de Deus
são muito diferentes do que pensamos, e difíceis para o nosso modo de
entender. De tal maneira
assim é que Jeremias, sendo profeta de Deus, parecia não compreender a
significação das palavras do Onipotente, tão diversas do comum sentir
dos homens, e pondo-se ao lado do povo, exclama: "Ai, ai, ai, Senhor
Deus. É possível teres enganado a este povo e a Jerusalém, dizendo-lhes:
Vos tereis a paz, e eis agora lhe chega a espada até a alma?"(Jr.
4,10). Ora, a paz prometida pelo Senhor ao seu povo era a aliança entre
ele e o gênero humano por intermédio do prometido Messias; e os
israelitas a entendiam no sentido de uma paz temporal. Por isto, quando
tinham guerras e trabalhos, logo lhes parecia Deus enganá-los, pois
sucedia o contrário do que esperavam. E então diziam por Jeremias:
"Esperamos a paz, e este bem não chegou" (Ibid. 8,15). Era impossível
deixar de caírem no erro, porque se guiavam unicamente pelo sentido
literal. Quem, com efeito, não ficaria confundido, entendendo ao pé da
letra esta profecia de Davi sobre Cristo em
todo o Salmo 71, e, particularmente, por estas palavras: "E dominará de
mar a mar, e desde ao rio até aos confins da redondeza da terra"(Sl
71,8). E mais adiante: "Porque livrará o pobre que o invoca e o mísero
que não tem ajuda?"(Ib. 12). E, a par destas palavras, vendo Nosso
Senhor nascer na obscuridade, viver em pobreza e não somente não reinar
como dominador na terra, mas se submeter aos caprichos da populaça mais
vil, até ser condenado à morte sob o governo de Pôncio Pilatos? E, ao
invés de livrar seus discípulos da opressão dos poderosos da terra,
permitir que fossem mortos e perseguidos por seu nome?
"8. É que essas profecias deviam ser compreendidas espiritualmente de
Cristo, e deste modo eram absolutamente verdadeiras. De fato, Cristo não
é apenas rei da terra, mas do céu, porque é Deus; e aos pobres que o
haviam seguido, não somente havia de remir e livrar do poder do
demônio (o mais forte inimigo, contra o qual não tinham até então
defesa), mas faria, desses pobres, herdeiros do reino celeste. E assim
falava Deus segundo o significado principal, isto é, de Cristo e seus
sequazes, de reino eterno e liberdade eterna. Mas os judeus não
entendiam assim as profecias; visavam nelas o menos principal, do qual
Deus faz pouco caso: pensavam em reino temporal e liberdade temporal,
que aos olhos de Deus nada valem. Cegos pela baixeza da letra e não
compreendendo o espírito e verdade nela encerrados, tiraram a vida a seu
Deus e Senhor segundo disse S. Paulo: "Os que habitavam em Jerusalém, e
os príncipes dela, não conhecendo a este, nem as vozes dos profetas,
que cada sábado se leem, sentenciando-o, as cumpriram"(At. 13,27)."
(Subida do Monte Carmelo - Livro II - Cap. XIX pgs 261-263).
Continua.
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