SANTOS E DEMÔNIOS : SANTA GEMA GALGANI
(Padre Germano de Santo Estanislau, CP - tradução do Padre Matos
Soares)
"Para
purificar os Seus escolhidos e fazer deles vítimas de expiação, Deus serve-Se
muitas vezes de satanás que, com o seu ódio ao homem, é em Suas mãos o
instrumento mais ativo. A Santa Escritura e sobretudo os registros da
hagiografia oferecem-nos exemplos numerosos desta conduta da Providência Divina
Quando o
Senhor quis elevar São Paulo da Cruz a um grau mais eminente de santidade,
disse-Lhe no íntimo da sua alma: 'Fazer-te-ei calcar aos pés pelos demônios'.
Gema ouviu também um dia palavras semelhantes: 'Prepara-te, minha filha; por
minha ordem o demônio vai declarar-te guerra e dar, por esta forma, o último
retoque à obra que realizei em ti'
Podemos
dizer que esta gurra foi geral, isto é, dirigida contra cada uma das virtudes e
práticas por meio das quais a jovem virgem se esforçava em caminhar para Deus.
Todas desagradavam ao anjo do mal, que as atacou com ódio feroz. Dir-se-ia que,
no exercício do seu tenebroso império, não tinha outra preocupação senão
perseguir esta pobre menina e procurar meios de a assaltar com tentações
A
oração é o alimento vital da santidade, o supremo caminho que conduz ao
Soberano Bem. Desde há muito que Gema a amava e praticava com todo o ardor da
sua alma e devia-lhe bens inapreciáveis. O que não fez satanás por afastar a
donzela da oração! Nada podendo conseguir com as suas inspirações perversas,
provocava-lhe violentas dores de cabeça que teriam levado uma alma menos
enérgica antes à indolência e ao repouso que à oração; experimentava mil outros
meios para a desviar deste exercício divino. 'Oh!' dizia-me ela, 'que tormento
para mim o não poder orar! Que fadiga eu sofro! E que esforços faz esse velhaco
(assim chamava ao demônio) para me tornar a oração impossível! Ontem à noite
queria matar-me, e te-lo-ia feito se não fosse a rápida intervenção de Jesus.
Eu estava desfalecida, tinha bem gravado na minha alma o Nome de Jesus, mas não
me era possível proferí-lo com a língua”
Algumas
vezes o infernal inimigo tentava triunfar de um só ímpeto por meio de sugestões
ímpias. ‘Que fazes tu, lhe dizia, és louca de orar a um malfeitor? Vê como ele
te atormenta e te conserva consigo sobre a cruz. Porventura podes amar quem não
conheces e quem trata tão duramente os seus melhores amigos?’ Estas blasfêmias
não eram mais que poeira lançada ao vento, mas afligiam profundamente a alma
terna e amante, obrigada a ouvir ultrajar assim o seu adorável Jesus.
No meio
de tantos sofrimentos, a pobre menina procurava algum confôrto no seu pai
espiritual, apresentava-lhe as suas dificuldades, implorava conselho e direção.
Este humilde e filial recurso não agradava ao espírito das trevas, que via
assim diminuir as suas já tão pequenas probabilidades de êxito. Usou de mil
artifícios para isolar na luta a Serva de Deus, afastando-a do diretor
espiritual. Pintou-lho com as mais desprezíveis cores: como ignorante, um
fanático, um iludido. ‘Nos últimos dias, escrevia-me ela, o maldito fez-me
‘boas’ [peças]. Este monstro queria privar-me do meu guia e conselheiro para me
perder; não tenho, porém, receio de que o consiga’
Parece
que esta confiança em Deus deveria desarmar satanás, mas não desarmou. Perante
a inutilidade de suas pérfidas insinuações, recorreu à violência física. Logo
que Gema tomava a pena para me escrever, tirava-lha das mãos e rasgava o papel;
algumas vezes, agarrando-a pelos cabelos, arrancava-a de junto da mesa com tal
raiva que lhe ficavam nas mãos brutais madeixas inteiras; e ao mesmo tempo
uivava com voz furiosa: ‘Guerra, guerra a teu pai espiritual, guerra enquanto
ele estiver no mundo!’ Seja-me lícito dizer, aqui só entre nós, que nunca
passou das palavras. ‘Acreditai-me, Padre, dizia Gema, ao ouvi-lo, vê-se que
este velhaco odeia muito mais a vós do que a mim’
O
demônio levou a audácia até ao ponto de tomar as aparências do seu confessor
ordinário. Um dia acabava a menina de entrar na igreja e preparava-se,
esperando pelo sacerdote, para a recepção do sacramento da Penitência. Mas qual
não foi o seu espanto ao vê-lo imediatamente no seu posto, sem que pudesse
saber por onde é que tinha entrado! Sentiu uma grande perturbação interior, que
era nela indício infalível da presença do espírito maligno. Entretanto
aproximou-se e começou a confissão. A voz que ouvia era realmente a do
confessor ordinário, mas as palavras eram escandalosamente indecentes e
acompanhadas de atos desonestos. ‘Meu Deus, exclamou Gema, que é isto e onde
estou eu?’ A pura menina, tremendo dos pés à cabeça, permaneceu por um instante
estonteada, depois sossegou, levantou-se, saiu do confessionário e verificou
então que o pretendido confessor tinha desaparecido, sem que nenhuma das
pessoas presentes o visse ir
Não
havia dúvida: o demônio procurava com este artifício grosseiro surpreender a
santa menina ou pelo menos tirar-lhe toda a confiança no ministro de Deus
Tendo
falhado este golpe, tentou outro. Apareceu sob a forma de um belo anjo
resplandecente de luz e cheio de solicitude pela sua felicidade. Como com Eva
no paraíso terrestre, empregou a mais sutil astúcia para conseguir enganá-la.
‘Olha para mim, dizia ele, posso tornar-te feliz; jura somente que me
obedecerás.’ Gema, que desta vez não tinha sentido a perturbação reveladora da
presença do demônio, ouvia tranquilamente. Mas, logo às primeiras propostas
criminosas do espírito perverso, os olhos se lhe abriram e ela se pôs na
defensiva. ‘Meu Deus, Maria Imaculada, exclamou a princípio, vinde em meu
auxílio!’ Depois, avançando resolutamente para o anjo disfarçado, escarrou-lhe
na cara. Desapareceu imediatamente sob a forma duma grande chama vermelha,
deixando no assoalho do quarto um montão de cinza
Algum
tempo depois, novo assalto. ‘Ouvi, Padre: escrevia-me Gema, ontem entrava eu em
casa, depois de ter me confessado. Aproveitando o momento de solidão, pus-me de
joelhos para recitar a Coroa das Cinco Chagas. Ia a chegar à quarta Chaga
quando vi diante de mim uma pessoa muito parecida com Jesus. Estava flagelado
de há pouco e do seu coração aberto corria sangue em abundância. Disse-me: ‘É
assim, minha filha, que me correspondes? Considera o estado em que me encontro.
Vês como sofro por ti? E não podes continuar a consolar-me com essas
penitências? E no entanto era bem pouca coisa; podias muito bem retomá-las. –
Não, não respondi, quero obedecer e desobedeceria se vos atendesse. – Mas
enfim, o confessor que tas proibiu foi esse... Ora, tu de nenhum modo estás
obrigada a obedecer-lhe. – E acrescentou muitas mais coisas. Nestes perniciosos
conselhos reconheci satanás, e estava para tomar a disciplina, como das outras
vezes em iguais circunstâncias, quando me senti diferentemente inspirada.
Levantei-me, lancei-lhe água benta e desapareceu. Recuperei então a paz, não
sem ter recebido alguns golpes com que a besta vil me gratifica de tempos a
tempos’
Não
obtendo outra coisa, o espírito do mal procurava assim levar Gema, contra a
proibição do diretor espiritual, a penitências prejudiciais à saúde . Para
protegê-la contra as visões maléficas, ordenei-lhe que a cada aparição
sobrenatural exclamasse: Viva Jesus! Nosso Senhor, sem eu o saber, tinha-lhe
dado um conselho quase igual. Gema devia dizer: Benditos sejam Jesus e Maria. A
dócil menina, para obedecer a ambos, juntava as duas exclamações. Os bons
espíritos repetiam-nas sempre, mas os maus ou não respondiam ou se limitavam às
primeiras palavras: Viva, benditos. Por este sinal eram reconhecidos, e Gema
escarnecia deles
Com a
esperança de lhe inspirar o orgulho, o demônio mostrava-lhe algumas vezes em
sonhos, ou mesmo estando acordada, uma procissão de pessoas vestidas de branco
que se aproximavam piedosamente do seu leito para a venerar. Descobria-lhe
também que as cartas para seu pai espiritual eram religiosamente conservadas
com o fim de servirem um dia à sua glória, etc., etc. Vãs tentações, a Serva de
Deus era suficientemente humilde para não se deixar levar como Eva pela sedução
da vaidade
Supondo
abalar talvez a sua grande confiança em Deus, o maldito aproveitava as ocasiões
tão freqüentes de abandono e de cruel aridez espiritual para aumentar em sua
alma o horroroso temor da condenação. ‘Não vês, lhe dizia, que Jesus não te
escuta, que já te não quer conhecer? Para que afadigar-te em correr após ele?
Só te resta resignar-te com a tua desgraçada sorte.’ Para os santos foi sempre
esta tentação a mais angustiosa. Gema experimentava-lhe toda a violência; mas
habituada a recorrer a seu Deus, apesar de tudo e em todas as circunstâncias,
com a mais viva fé, como uma criança recorre a seu pai, depressa recuperava a
serenidade. Por isso podia dizer-me: ‘Este celerado cansa-se; quereria ... Mas
Jesus com suas palavras inspirou-me tal tranqüilidade que todos os esforços
diabólicos não poderiam tirar-me a confiança por um só momento’
O anjo
da soberba, furioso de ver que toda a sua astúcia se malograva aos pés duma
humilde donzela, em ultimo recurso tirou definitivamente a máscara, passando a
atos de violência. Aparecia-lhe sob as formas horríveis dum monstro ameaçador,
dum homem feroz, dum cão raivoso. Depois de ter assim procurado aterrorizá-la,
precipitava-se sobre ela, batia-lhe, rasgava-lhe a pele, atirava-a dum lado
para outro no quarto como se fôra uma rodilha; arrastava-a pelos cabelos e
martirizava de todas as maneiras possíveis os seus inocentes membros. E não
julguemos que tudo isso se limitava a impressões puramente imaginárias, porque
os efeitos sobre o corpo da vítima persistiam por muito tempo: cabelos
arrancados, carnes lívidas, ossos quase esmagados, dores atrozes. Algumas vezes
ouvia-se o barulho das pancadas, via-se o leito mudar de lugar e elevar-se da
terra para cair bruscamente. Estes vexames duravam sem interrupção horas
inteiras e algumas vezes toda noite
Deixemos
gema falar a este respeito. A simplicidade do seu estilo e a ingênua
sinceridade da sua alma dispensam-nos de fazer comentários. ‘Hoje, que me
julgava livre desta besta vil, fui muito molestada por ela. Ia para me deitar,
esperando poder dormir; não sucedeu, porém, assim. A princípio recebi uma
pancada das mais terríveis, de que pensei morrer. O malvado tinha a forma dum
grande cão negro, e punha-me as patas sobre os ombros. Tratou-me de tal modo
que em um dado momento supus ter os ossos todos quebrados. Pouco depois, como
eu tomasse água benta, torceu-me o braço com extrema violência e caí em dor. Os
ossos estavam completamente deslocados, Jesus, porém, veio repô-los no seu
lugar, tocando-os, e tudo ficou remediado.’ Em outra carta: “Também ontem o
demônio me afligiu. Minha tia mandou-me que fosse encher os jarros do quarto.
Ao passar com os jarros na mão, diante da imagem do Coração de Jesus,
dirigi-lhe com amor uma prece fervorosa; imediatamente senti darem-me sobre os
ombros uma bastonada tão forte que cai por terra, sem nada quebrar. Ainda hoje
me sinto muito mal e menor trabalho me causa dor”
A santa
menina escrevia-me ainda: “Acabo de passar, como de costume, uma noite má. O
demônio apresentou-se diante de mim sob a figura de um imenso gigante e
bateu-me durante toda a noite, dizendo: para ti já não há esperança de
salvação, estás em meu poder. Respondi que nada temia porque Deus é
misericordioso. Então, espumando de raiva, deu-me uma grande pancada na cabeça
e desapareceu gritando: maldita sejas. Fui para o quarto repousar um pouco, mas
tornei a encontrá-lo lá. Começou de novo a bater-me com uma corda toda aos nós.
Batia-me por eu me opor a fazer o mal que sugeria. Não, lhe dizia eu; e ele
redobrava as pancadas, batendo-me violentamente com a cabeça no chão. De
repente tive a lembrança de implorar o auxílio do divino Pai de Jesus e
exclamei: Pai Eterno, livrai-me pelo sangue preciosíssimo de Jesus.
Imediatamente o velhaco deu-me uma pancada formidável, atirou-me abaixo da cama
e fez-me bater a cabeça no chão com tanta violência que perdi os sentidos com a
dor. Só muito tempo depois os recuperei. Demos graças a Jesus”
Estas
cenas repetiam-se muito frequentemente, e, em certas épocas todos os dias. A
pobre padecente estava quase habituada a elas. Exceptuando as torturas
corporais, podemos dizer que a vista do monstro infernal já não a atemorizava.
Olhava-o com a mesma serenidade com que a pomba olha para um animal imundo.
Gema algumas vezes entretinha-se a responder-lhe e a humilhá-lo, quando não
estava proibida de o fazer; e, quando à invocação do Santíssimo Nome de Jesus,
a hedionda besta se rolava por terra para fugir em seguida a toda pressa, a
ingênua menina acompanhava-a com zombarias e francas gargalhadas. “Se vísseis,
Padre, como ele fugia e tropeçava em sua fuga raivosa, ter-vos-ieis rido
comigo.” Assistia eu uma ocasião à piedosa menina, gravemente doente e em
perigo de vida. Sentado a um canto do quarto rezava tranquilamente o Breviário,
quando um enorme gato muito preto e de aspecto terrificante me saltou
impetuosamente para os pés. Deu uma volta pelo quarto, saltou para o leito da
doente e colocou-se muito perto do seu rosto, fixando nela um olhar feroz. O
sangue gelou-me nas veias; Gema, porém, permanecia muito serena. Então! Que há de
novo? Lhe disse eu, ocultando o melhor possível a minha atrapalhação. – Não
tenhais medo, Padre, é esse velhaco do demônio que quer molestar-me, mas não
temais, a vós não fará mal nenhum. A tremer aproximei-me do leito, tomei água
benta e aspergi-o. A visão desapareceu imediatamente, sem ter conseguido
alterar por um só momento a paz profunda da doente
A única
coisa que aterrava verdadeiramente Gema era o receio de ceder às sugestões do
inimigo e ofender a Deus. Embora nunca tivesse caído durante o passado, o
perigo parecia-lhe iminente e conservava-a aterrorizada. Não esquecia nenhum
meio de defesa: Cruz, relíquias dos Santos, escapulários, exorcismos, e, acima
de tudo, recurso filial a Deus, a Maria Santíssima, ao Anjo da Guarda e ao
diretor de sua alma. Escrevia-me: “Vinde depressa, Padre, ou ao menos daí fazei
exorcismos, porque o demônio persegue-me por todos os modos; ajudai-me a salvar
a alma, tenho medo de já estar nas mãos de satanás. Ah! Se soubésseis como
sofro! Como ele estava contente esta noite! Agarrou-me pelos cabelos e puxava
por eles dizendo: desobediência! desobediência! Quero concluir desta vez, vem,
vem comigo! Queria levar-me para o inferno. Atormentou-me durante mais de
quatro horas. Foi assim que se passou a noite. Tenho receio de o atender um dia
ou outro e vir a desagradar a Jesus”
Em
algumas raríssimas ocasiões o Senhor permitiu ao demônio apoderar-se de todo o
seu ser, ligar as potências da sua alma e perturbar-lhe a imaginação a tal
ponto que se poderia julgar possessa. Causava dó vê-la neste estado miserável.
Ela mesma tinha-lhe um tal horror que, só com lembrar-se dele, empalidecia e
começava a tremer. “Ó Deus, dizia ela, estive no inferno sem Jesus, sem a
divina Mãe, sem o Anjo! Se saí de lá sem pecado só a Vós o devo, ó Jesus.
Apesar de tudo, estou contente, porque sofrendo assim e sofrendo sempre, faço a
Vossa santíssima Vontade.” Se estes assaltos do demônio se tivessem repetido
mais vastas vezes ou tivessem sido de mais longa duração, a pobre padecente,
apesar de muito resignada, teria com certeza perdido a vida. A estas
atribulações juntavam-se as dores de cruéis doenças, provocadas, como temos
fortes razões para o crer, pelo próprio espírito infernal. E se refletirmos que
Gema estava ao mesmo tempo miraculosamente associada a todos os tormentos
sofridos pelo divino Redentor na Sua Paixão, teremos uma idéia da grandeza do
martírio desta virgem heróica, que se tinha oferecido em holocausto ao Senhor
Todavia,
declarava-se feliz no meio deste mar de sofrimentos físicos e morais, feliz por
se parecer assim com o Homem das Dores, por se elevar sempre mais nas puras
regiões do amor divino e expiar pela sua parte os pecados do mundo
Um dos
dogmas mais consoladores da nossa crença é o dos Anjos Custódios. Depois do
pecado original, o homem enfraquecido e miserável, tinha necessidade de auxílio
e conselho para andar pelo caminho do bem e atingir o fim para que foi criado.
Em Sua misericórdia infinita e paternal ternura, o Senhor veio em auxílio dos
pobres filhos de Eva que queria salvar, colocando-os sob a proteção dos Anjos,
ministros da Sua Côrte Celeste. Cada um de nós é assistido por um destes puros
espíritos, que chamamos com razão o nosso bom Anjo. Toma-nos pela mão, logo que
entramos na vida, para não mais nos deixar durante a nossa peregrinação pelo
mundo. “Eis, diz o Senhor, que Eu envio o meu Anjo para ir adiante de ti, para
te proteger no caminho e introduzir no lugar que te preparei”
Se Deus
provê com solicitude às necessidades de todas as Suas criaturas, tem um
particular cuidado com as eleitas que, como Ele mesmo diz, Lhe são tão queridas
como as meninas dos Seus olhos, e entre os escolhidos tem ainda preferências.
Daí resultam os diferentes graus de importância da missão misericordiosa dos
Anjos Custódios. Estando Gema predestinada para um grau muito elevado de glória
e felicidade celeste, era natural e conforme à Sabedoria divina que o anjo
proposto para a guardar tivesse com ela um cuidado muito especial. A graça que
já se manifestava nesta alma ditosa por fenômenos tão prodigiosos, ia aumentar
dum modo não menos prodigioso com a assistência do seu bom Anjo
Quem não
conhecesse pelos Sagrados Livros a tocante história de Tobias e pela
hagiografia cristã a sua freqüente repetição na vida dos Santos canonizados,
seria tentado talvez a supor exagerados os detalhes maravilhosos que vou
referir. Mas o Senhor prodigaliza todos os dias a Seus filhos bens muito
preciosos sem que ninguém se lembre de Lhe dizer: por que Vos mostrais tão bom?
Gema estava admiravelmente preparada para os favores do seu Anjo pelas mais
belas virtudes: inocência, pureza, candura, simplicidade de criança, e, acima
de tudo, fé muito viva que lhe deixava ver quase a descoberto os mistérios da
eternidade. Com certeza o espírito celeste devia encontrar na sua feliz
protegida alguma semelhança com a natureza angélica que lhe permitia, sem se
rebaixar muito, conservar com ela relações familiares
O mais
maravilhoso neste suave comércio era a presença sensível e quase contínua do
Anjo da Guarda . Gema via-o com os olhos do corpo, tocava-o com as mãos, como
se fosse uma pessoa viva, conversava com ele como com um amigo. Escrevia-me o
seguinte: “Há seis dias que não vejo Jesus. Ele porém não me deixou
completamente só; o Anjo da Guarda conserva-se sempre visível junto de mim”
Com que
fervor dava graças a Deus por este benefício, e testemunhava ao espírito
protetor o seu reconhecimento! “Se alguma vez for má, querido Anjo, lhe dizia
ela, não te zangues. Quero mostrar-te a minha gratidão. – Sim, respondia o
celeste guarda, serei teu guia e teu companheiro inseparável. Não sabes Quem te
confiou à minha guarda? Foi o misericordioso Jesus.” A estas palavras a santa
menina, não podendo conter os sentimentos da sua alma, perdia os sentidos e
entrava em êxtase na companhia do seu Anjo. O que se passava então ela mesma o
conta por estas simples palavras: “Permanecíamos ambos com Jesus. Oh! Se
estivésseis conosco Padre.” Permanecer com Jesus era mergulhar-se, com o
espírito e o coração, no oceano imenso da Divindade para aí aprender e
contemplar inefáveis mistérios. De ordinário, Gema e o Anjo da Guarda passavam
os seus colóquios a orar juntamente ou a louvar o Altíssimo. Os Anjos, segundo
um santo Doutor, deleitam-se em assistir às almas em oração. O arcanjo Rafael
disse ao velho Tobias que durante as suas orações ele mesmo as oferecia
secretamente ao Senhor
Que
objeto de complacência devia ser para o seu Anjo da Guarda esta admirável
menina cujo coração, como a lâmpada do Santuário, velava sempre diante do seu
Deus com extraordinária vivacidade de fé? Gostava de lhe aparecer, uma vezes
ajoelhado ao seu lado, outras elevado da terra, com as asas abertas e as mãos
estendidas sobre ela, ou juntas na atitude de orar. Recitavam alternadamente as
orações vocais e os salmos, e, se diziam jaculatórias, “era [ele], segundo as
próprias palavras de Gema, quem com mais força exclamava: Viva Jesus! Bendito
seja Jesus! E outras afetuosas aspirações”
Nas
horas de meditação o Anjo infundia-lhe no espírito luzes altíssimas, dava ao
seu coração suaves e fortes impulsos para que o santo exercício fosse perfeito,
e, como a Paixão do Salvador era quase sempre o assunto da meditação,
descobria-lhe os Seus profundos mistérios. “Considera, dizia ele, quanto Jesus
sofreu pelo homem, considera uma por uma estas Chagas. Foi o amor que as abriu
todas. Vê quão horrível é o pecado cuja expiação custou tanta dor e tanto
amor.” Estes belíssimos pensamentos iam ferir o coração da donzela como outros
tantos raios de luz e de fogo. Tendo assistido pessoalmente muitas vezes às
orações e às meditações de Gema e do seu Anjo da Guarda, pude convencer-me, só
pelas minhas observações exteriores, da realidade de todos os detalhes que ela
me dava depois do exercício nas suas comunicações de consciência
Notei
igualmente que todas as vezes que ela levantava os olhos para o Anjo a fim de o
ouvir ou lhe falar, mesmo fora da oração, perdia o uso dos sentidos. Nesses
momentos podia-se picar, queimar sem que a sua sensibilidade fosse despertada.
Mas vinha a si logo que afastava os olhos do Anjo ou cessava o colóquio. Este
fenômeno renovava-se infalivelmente em cada uma das suas comunicações celestes,
por mais próximas que fossem. Sempre e por toda a parte, no meio das ocupações,
no caminho, mesmo à mesa, o Anjo esta à disposição de Gema e Gema à disposição
do Anjo. Nenhum sinal exterior manifestava os seus santos colóquios, excepto a
absoluta imobilidade da vidente e o brilho sobrehumano do seu olhar. Bastava
tocá-la para nos convencermos, em atenção à sua insensibilidade, que estava
fora dos sentidos e em relações com o sobrenatural. Estes colóquios respiravam
muitas vezes a maior simplicidade, e a familiaridade do Anjo só tinha igual na
do Arcanjo Rafael com o jovem Tobias
“Dizei-me,
meu Anjo, interrogava a donzela, o que tinha esta manhã o meu confessor para
ser tão severo e recusar ouvir-me? E o Padre, responderá de Roma à carta
urgente em que lhe peço uma regra de conduta sobre tal ponto? Dize-me, meu
querido Anjo, quando é que Jesus me converterá este pecador por quem me
interesso? Que devo responder a tal pessoa que me pede conselho? E o que vos
parece de mim? Jesus está contente? Como poderei agradar-Lhe? O Anjo, acomodando-se
com um encantadora condescendência a esta ingenuidade algum tanto importuna,
respondia a tudo. E os acontecimentos não tardavam a mostrar a origem
sobrenatural das respostas. Seria preciso um volume para referir estas diversas
comunicações, mas talvez me fosse preciso um outro para defender a sua
realidade, tão extraordinárias parecem muitas vezes e tão difíceis de aceitar
pelo racionalismo contemporâneo
Pode
dizer-se, dum modo geral, que o Anjo da Guarda era para Gema um segundo Jesus.
Ela expunha-lhe as suas necessidades e as dos outros, queria-o incessantemente
junto de si durante os seus temores e sobretudo durante as lutas contra o
infernal inimigo; confiava-lhe diversas mensagens para Deus, para a Virgem
Santíssima, para os Santos seus advogados, dava-lhe até cartas fechadas e
lacradas com destino a um ou outro destes advogados, pedindo-lhe que a seu
tempo trouxesse a resposta, e a maravilha é que estas cartas eram levadas
realmente por um ser invisível. Depois de ter tomado todas as precauções para
me certificar da intervenção duma causa sobrenatural no seu desaparecimento, vi
que me devia convencer de que neste ponto, como em outros não menos
prodigiosos, o Céu, para assim dizer, queria brincar com uma menina, cuja
simplicidade lhe era tão querida
Muitas
vezes encarregava o Anjo da Guarda dum negócio particular perante alguma pessoa
deste mundo, e qual não era a sua admiração quando não via chegar a resposta!
“E não obstante, escrevia ela, há já tantos dias que vo-lo mandei dizer pelo
Anjo; como não fizeste caso? Ao menos podíeis mandar-me dizer por ele que não
era vossa intenção ocupar-vos deste negócio. Em todo o caso não vos zangueis,
insisto de novo por meio deste carta”
Deste
modo o mensageiro celeste encontrava-se constantemente preparado para o serviço
desta jovem virgem de inefável candura. Além disso, prestava-se de bom grado a
todos os seus desejos, acudia, mesmo sem ser invocado, ao menor perigo, à menor
necessidade; refreava a audácia do demônio, sempre pronto a maltratar a sua protegida,
e algumas vezes lutava para lha tirar das mãos brutais. Eis alguns fatos
relativos a esta assistência: uma vez, estando à mesa ainda em casa de seus
pais, uma das pessoas presentes, deixando-se levar pelos maus costumes do nosso
tempo, proferiu uma blasfêmia contra o adorável Nome de Deus. Logo que Gema a
ouviu perdeu os sentidos com a dor e ia a cair da cadeira; antes, porém, que
batesse com a cabeça no chão, o Anjo a acudiu e com uma só palavra dita ao
coração fez-lhe retomar imediatamente os sentidos. Por outra vez, perdida na
contemplação, encontrava-se ainda na igreja, sendo já tarde; o Anjo advertiu-a
e na volta acompanhou-a, sob uma forma visível, até à porta de casa
Um dia o
demônio tinha-lhe batido tão cruelmente no momento da oração da noite que a
pobre menina ficou impossibilitada de se mover. O Anjo da Guarda ofereceu-lhe o
seu auxílio, ajudou-a a subir para o leito e pôs-se de guarda à cabeceira. O
Anjo avisava-a em muitas circunstâncias em que a sua vida podia correr perigo e
indicava-lhe as precauções a tomar. Sem a sua intervenção, por mais duma vez
teria sido vítima de algum acidente, tão pouco era o cuidado que tinha de si . Um
dia disse-lhe [o Anjo] em tom de amável censura: “Pobre pequena, como és
imperfeita; tenho de velar continuamente por ti”
A missão
dos Anjos Custódios tem como objeto principal os interesses espirituais das
almas. Eles devem ser, segundo os desígnios da Providência, instrumentos de
santificação para nos conduzir pelos caminhos difíceis da virtude. O Anjo de
Gema não perdia uma ocasião de a repreender, de a aconselhar e mesmo de a
instruir por ensinamentos cheios de celeste sabedoria, que a menina conservou
em parte nas relações que enviava ao diretor espiritual. Uma vez, para que não
se perdesse uma sílaba, o Anjo fez-lhe escrever alguns destes ensinamentos que
ia ditando. Por sua ordem, Gema sentou-se à mesa, tomou a pena e o papel,
enquanto que ele, de pé a seu lado, como um professor junto do aluno, começava:
“Lembra-te que aquele que ama verdadeiramente a Jesus fala pouco e sofre tudo.
Ordeno-te da parte de Jesus, que nunca digas a tua opinião, se não te for
pedida, que nunca sustentes o teu sentimento, mas que cedas depressa. Quando
cometeres qualquer falta, acusa-te imediatamente sem ser preciso que outros te
avisem. Obediência pontual e sem réplica ao teu confessor, sinceridade com ele
e com os outros; não te esqueças de guardar a vista, lembrando-te que os olhos
mortificados contemplarão as belezas do Céu”
O santo
Anjo sabia usar de rigor com a sua discípula; não lhe deixava passar nenhuma
imperfeição e corrigia-a sem piedade, a ponto de ela me dizer: “O meu Anjo é um
pouco severo, mas sinto-me bem com isso. Nos últimos dias chegou a
repreender-me três a quatro vezes por dia.” Parece até que o vigilante guarda
saiu dos justos limites numa ocasião: “Ontem, escrevia-me Gema, durante a
refeição levantei os olhos e vi o Anjo lançar-me olhares severos, não falava.
Mais tarde ,quando fui repousar, olhei outra vez para ele, mas baixei a vista
depressa; meu Deus como estava irritado! – Disse: ‘Não tens vergonha de cometer
faltas em minha presença?’ Lançava-me alguns olhares tão severos... eu não
fazia senão chorar. Supliquei a Deus e a minha celeste Mãe que o tirasse de
diante de mim, pois não podia resistir mais. De quando em quando repetia:
‘Envergonho-me de ti.’ – Pedi para que ninguém o veja neste estado, pois os que
o vissem com certeza não quereriam mais aproximar-se de mim. Sofri um dia
inteiro, não pude recolher-me um só momento; o seu aspecto permanecia tão
severo que eu não tinha coragem para lhe falar. Ontem de noite não consegui
adormecer até que, finalmente, pelas duas horas da manhã, o vi aproximar-se;
pôs-me a mão sobre a fronte dizendo: ‘Dorme, má.’ E não o vi mais”
Não se
pode dizer quanto fruto tirava deste magistério angélico a santa menina, sempre
sedenta de virtude e de santidade. Atenta Às menores palavras do Anjo, cumpria
de todo o coração as penitências que ele muitas vezes impunha, para ver se lhe
agradava. “Repugnava-me muito, dizia-me ela, andar a dizer ao meu confessor
certas coisas, como o Anjo me ordenava por penitência; todavia obedeci e, logo
de manhã, violentando-me, corri a dizer-lhas. Depois desta vitória sobre mim
mesma, o Anjo, muito contente, tornou-se bom para mim.” Gema amava este guarda
tão dedicado pelo bem da sua alma. Tinha constantemente o seu nome nos lábios
como no coração. “Querido Anjo, dizia ela, quanto vos amo! – E por quê?,
perguntava ele. – Porque me ensinais a ser boa e a conservar-me na humildade.”
Não
admira que este vivo afeto, numa alma simples e ingênua, desse origem a uma
familiaridade que pode parecer excessiva. Ao ouvir as conversas de Gema com o
seu querido Anjo, ao ouvi-la discutir vivamente para o levar a ter a sua
opinião, dir-se-ia que tratava com um igual. Eu mesmo a princípio fiquei
admirado, adverti-a de que era mau o seu proceder e disse-lhe que era
orgulhosa, pois levava a familiaridade até ao ponto de tratar por ‘tu’ a um
espírito puro em vez de tremer diante dele. Para a experimentar, proibi que
ultrapassasse certos limites. A donzela baixou a cabeça e respondeu com toda a
humildade: “Tendes muita razão, Padre; hei de corrigir-me. Daqui por diante
direi sempre ‘vós’ ao Anjo; e quando me for dado vê-lo, testemunhar-lhe-ei
grande reverência, conservando-me a cem passos atrás dele.”
Na
primeira visita do celeste guarda, Gema advertiu-o da norma de conduta: “Tende
paciência, querido Anjo, o Padre não está contente, preciso de mudar de
procedimento.” E absteve-se de ultrapassar o limite marcado enquanto não
levantei a proibição. Pela força do hábito, acontecia-lhe muitas vezes
enganar-se e misturar o ‘tu’ com o ‘vós’, mas corrigia-se, mesmo em êxtase.
Algumas vezes o Anjo não aparecia só, mas com outros espíritos celestes para
fazerem alegre companhia à angélica irmãzinha. Logo que tive conhecimento
disso, mostrei estar muito descontente e escrevi a Gema dizendo, sempre para
pôr à prova a sua virtude, que era tempo de acabar. Gema respondeu: “Na
verdade, Padre, não compreendo nada disso. Os outros, quando estão a rezar,
vêem o seu Anjo da Guarda. Se eu também o vejo, ralhais e afligi-vos. Mas
ontem, dia em que eles se festejavam, despedi-os a todos. O meu não quis
partir, nem o outro em que vos falei; ora que hei de eu fazer? Não vos zangueis
outra vez, serei boa e obediente”
A
familiaridade de Gema com o Anjo da Guarda era simples, espontânea, cheia de
humildade, como testemunham as duas seguintes aparições, tomadas entre mil e
contadas pela própria menina: “Estava eu no leito, muito atormentada, quando me
senti subitamente possuída dum profundo recolhimento. Juntei as mãos e com toda
a força do meu fraco coração fiz o ato de contrição com uma viva dor dos meus
inúmeros pecados. Estando o meu espírito absorvido pela lembrança das minhas ofensas,
notei o Anjo junto do leito. Fiquei envergonhada de ver em sua presença. Ele,
ao contrário, com uma amabilidade cheia de encano, disse-me: ‘Jesus tem uma
grande afeição por ti, ama-O muito.’ – Depois acrescentou: Amas a Mãe de Jesus?
Envia-Lhe muitas vezes as tuas saudações. Ela fica muito contente em as receber
e nunca deixa de as retribuir. Se não o faz sempre sensivelmente, é para
experimentar a tua fidelidade.’ – Abençoou-me e desapareceu.”
Outra
visão: “Enquanto fazia as minhas orações da noite, o Anjo da Guarda
aproximou-se de mim e, batendo-me no ombro, disse: ‘Gema, como é que tu levas
tanto desgosto para a oração?’ – Não é desgosto, respondi, há dois dias que não
me sinto bem. – Ele continuou: ‘Faze o teu dever com cuidado e Jesus te amará
mais.’ – Roguei-lhe que fosse pedir a Jesus permissão para passar a noite junto
de mim. Desapareceu imediatamente e, obtida a permissão, voltou para o meu
lado. Oh! Como se mostrou bom! Quando estava para partir, pedi-lhe que não me
deixasse ainda. – ‘Não posso, respondeu, é conveniente que eu vá’. – Está bem,
ide, lhe disse eu, saudai a Jesus por mim. Lançando-me um último olhar,
acrescentou: ‘Não quero que tenhas conversações com as criaturas. Quando
quiseres falar, fala com Jesus e com o teu Anjo da Guarda’
Tal é,
pouco mais ou menos, o gênero das outras aparições. Daqui se pode concluir como
devia ser amada de Deus esta virgem que recebia a honra de ser assim visitada,
assistida e dirigida por espíritos angélicos nos caminhos da santidade. Não lhe
tenhamos inveja, porque também nós recebemos do mesmo Pai celeste um Anjo para
nos guardar, e se formos, como Gema, muito puros, muito humildes, simples de
coração, cheios de fé e de santos desejos de perfeição, ele também nos cercará
da mesma solicitude e do mesmo amor.
(...)
Diz-nos
o Espírito Santo que satanás, nos últimos momentos da nossa vida, sabendo que
tem pouco tempo para [nos] fazer mal, nos assalta com pérfidas tentações, como
um leão que vê a presa prestes a escapar-lhe. Que supremos e furiosos ataques
não devia dirigir contra a angélica donzela, a quem tinha perseguido durante
toda a vida com ódio mortal, e procurado vencer ou ao menos desanimar com uma
guerra sem tréguas! De outros santos se lê que no fim dos seus dias tiveram que
suportar assaltos do demônio mais ou menos longos e terríveis, mas passageiros.
Gema, porém, suportou um ataque contínuo de sete meses, apenas interrompidos
por curtos intervalos de trégua. O fato é aterrador, mas absolutamente certo,
porque é unanimemente atestado por todas as pessoas que assistiram a jovem
virgem durante a sua última doença
O
espírito das trevas perturbava-lhe a imaginação com mil fantasmas próprios para
encher o seu coração de tristeza, de ansiedades, de temor. O seu fim era
levá-la ao desespero. Representava-lhe, sob os mais tétricos aspectos, o quadro
de sua vida tão cheia de angústias, as desgraças da sua família, as privações
de toda ordem; fazia-lhe passar por diante dos olhos os agentes da força
pública indo, depois da morte de seu pai, acompanhados pelos credores,
seqüestrar os bens da sua casa, depois exclamava: “Eis o resultado de todas as
tuas fadigas no serviço de Deus”. Aproveitando o estado de extrema aridez
espiritual em que, durante a maior parte do tempo, o Senhor a deixava para mais
purificar a sua alma, o anjo das trevas empregava todos os artifícios para a
persuadir de que estava irremediavelmente abandonada por Deus e que de modo
algum escaparia à condenação. O tentador astucioso insinuava-lhe que as suas
heróicas virtudes e mesmo os mais insignes favores divinos não eram mais que
ilusão e hipocrisia. (...)
Procurou
mais uma vez [o infernal inimigo] insultar o pudor virginal da santa menina.
Sabia muito bem com que amor e cuidado este anjo tinha guardado, durante toda a
vida, o casto tesouro, com que heroísmo tinha já sustentado, neste campo, lutas
terríveis, coroadas sempre de triunfo, mas queria, senão alcançar uma vitória
que julgava impossível, ao menos vingar-se das suas derrotas por meio daquelas
tentações que sabia serem as mais próprias para encher de amargura os últimos
dias da inocente pomba
O quarto
da enferma pareceu então estar convertido num vestíbulo do inferno. Não eram
pensamentos, imaginação, impulsos lascivos, aos quais não podia ser sensível
uma alma daquela têmpera; eram aparições reais sob formas sempre novas e dum
cinismo brutal. “Padre, Padre, escrevia-me Gema do seu leito de dor, este
sofrimento é muito intenso para mim. Pedi a Jesus que o troque por qualquer
outro. Enviai, mesmo de longe, maldições e esconjuros para afastar o velhaco do
demônio, ou ordenai ao vosso Anjo da Guarda que venha afastá-lo para longe
daqui”
Vencido
em todos os campos, terminou por afligi-la com cruéis vexações exteriores. A
enfermeira da Serva de Deus escrevia-me por várias vezes: “Esta besta hedionda
acaba-nos com a querida Gema. Saio sempre de junto dela a chorar; este horrível
demônio consome-a, e não vejo nenhum remédio a opor. São pancadas
ensurdecedoras, figuras espantosas de animais ferozes; mata-a com certeza. Corremos
em seu auxílio, lançando água-benta no quarto, o barulho cessa, mas para recomeçar
pouco depois com mais raiva”
Até onde
o invisível inimigo do homem levou a crueldade para com a doce vítima! Gema
sentiu melhoras quanto à dificuldade de ingerir os alimentos. Satanás, porém,
estava de atalaia; logo que apresentavam a comida à doente, parecia-lhe coberta
de insetos repugnantes, de tudo quanto possa imaginar-se de nojento. Perante a
repugnância do estomago, era forçoso retirar tudo. Animais repelentes, reais ou
imaginários, entravam-lhe no leito, iam-lhe para o corpo e torturavam-na de mil
maneiras, sem que se pudesse ver livre deles. Dizia muitas vezes à irmã
enfermeira com acentos de terror, que sentia uma serpente a envolvê-la da
cabeça até aos pés e procurando sufocá-la
Pediu
muitas vezes que fizessem exorcismos, mas como julgassem que não deviam atender
aos seus pedidos, ela mesma, voltando-se para o inimigo com o rosto inflamado,
exclamou: “Espíritos perversos, ordeno-vos que entreis no lugar que vos está
destinado, aliás, desgraçados de vós! Acuso-vos ao meu bom Deus.” Depois,
voltada para a sua Mãe Celeste, começou a dizer: “Minha Mãe, encontro-me em
poder do demônio que me fere, me flagela, trabalha por me arrancar das mãos de
Jesus. Não, não, Jesus, não me abandoneis, ser-vos-ei fiel. Ó minha Mãe, pedi a
Jesus por mim. De noite, estou só, cheia de terror, oprimida e como que ligada
em todas as potências da alma e em todos os sentidos do corpo, sem me poder
mexer. Viva Jesus!”
De
tempos a tempos, o divino Mestre vinha reanimar-lhe a coragem e sossegá-la,
fazendo-lhe sentir a Sua doce presença e dizendo-lhe algumas palavras: “Minha
filha, por que é que, em vez de te entristeceres com as perseguições do
inimigo, não aumentas a tua esperança em Mim? Humilha-te sob a minha poderosa
mão, não te deixes abater pelas tentações. Resiste sempre, sem desânimo, e, se
a tentação perseverar, persevera também na resistência; a luta levar-te-á à
vitória”
Outras
vezes era o Anjo da Guarda que vinha confortá-la. Mas estes momentos felizes
duravam pouco, em breve a sua alma recaía nas trevas e o tentador aparecia de
novo, mais furioso que nunca. Deste modo se passavam, para a pobre donzela, os
dias, as semanas, os meses. Que exemplo admirável de resignação e que motivo de
salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gema, na hora terrível da
morte!
(Fonte : Servo de Deus Padre Germano de Santo Estanislau, CP, in: Gema
Galgani, Virgem de Luca. Tradução e edição do Padre Matos Soares, Porto: 1923,
páginas 203-220 e 319-322)
LITURGIA DO DIA 03 DE NOVEMBRO DE 2013
PRIMEIRA LEITURA (AP 7,2-4.9-14)
LEITURA DO
LIVRO DO APOCALIPSE DE SÃO JOÃO: Eu, João, 2vi
um outro anjo, que subia do lado onde nasce o sol. Ele trazia a marca do Deus
vivo e gritava, em alta voz, aos quatro anjos que tinham recebido o poder de
danificar a terra e o mar, dizendo-lhes: 3“Não façais mal à terra,
nem ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado na fronte os servos do
nosso Deus”.
4Ouvi então o
número dos que tinham sido marcados: eram cento e quarenta e quatro mil, de
todas as tribos dos filhos de Israel. 9Depois disso, vi uma multidão
imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém
podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes
brancas e traziam palmas na mão. 10Todos proclamavam com voz forte:
“A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”. 11Todos
os anjos estavam de pé, em volta do trono e dos Anciãos, e dos quatro Seres
vivos, e prostravam-se, com o rosto por terra, diante do trono. E adoravam a
Deus, dizendo: 12“Amém. O louvor, a glória e a sabedoria, a ação de
graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus para sempre. Amém”. 13E
um dos Anciãos falou comigo e perguntou: “Quem são esses vestidos com roupas
brancas? De onde vieram?” 14Eu respondi: “Tu é que sabes, meu senhor”. E
então ele me disse: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e
alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” - Palavra do Senhor
SALMO RESPONSORIAL
(SL 23)
É ASSIM A GERAÇÃO DOS QUE PROCURAM O SENHOR!
— Ao Senhor pertence a terra e o que
ela encerra,/ o mundo inteiro com os seres que o povoam;/ porque ele a tornou
firme sobre os mares,/ e sobre as águas a mantém inabalável
— “Quem subirá até o monte do Senhor,/
quem ficará em sua santa habitação?”/ “Quem tem mãos puras e inocente o
coração,/ quem não dirige sua mente para o crime
— Sobre este desce a bênção do Senhor/
e a recompensa de seu Deus e Salvador”./ “É assim a geração dos que o
procuram,/ e do Deus de Israel buscam a face”
SEGUNDA LEITURA (1JO 3,1-3)
LEITURA DA
PRIMEIRA CARTA DE SÃO JOÃO: Caríssimos: 1Vede
que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E
nós o somos! Se o mundo não nos conhece, é porque não conheceu o Pai. 2Caríssimos,
desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos!
Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o
veremos tal como ele é. 3Todo o que espera nele purifica-se a si
mesmo, como também ele é puro - Palavra do Senhor
EVANGELHO (MT 5,1-12A)
PROCLAMAÇÃO DO EVANGELHO DE JESUS CRISTO † SEGUNDO MATEUS - Naquele tempo, 1vendo Jesus as
multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2e Jesus começou a ensiná-los: 3“Bem-aventurados
os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4Bem-aventurados
os aflitos, porque serão consolados. 5Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a
terra. 6Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque serão saciados. 7Bem-aventurados os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia. 8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão
a Deus.
9Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão
chamados filhos de Deus. 10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa
da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! 11Bem-aventurados
sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo
de mal contra vós, por causa de mim. 12aAlegrai-vos e exultai, porque será grande
a vossa recompensa nos céus” - Palavra
da Salvação
MENSAGEM DE NOSSA SENHORA EM MEDJUGORJE - “Queridos
filhos, como Mãe Eu estou com vocês para ajudá-los com o Meu Amor, oração e
exemplo, Eu possa ajudá-los a se tornarem sementes do futuro, sementes que irão
crescer em uma árvore forte e espalhar os seus ramos através do mundo. Para
vocês se tornarem sementes do futuro, sementes do amor, implorem ao Pai que
perdpe as suas omissões feitas até agora. Meus filhos, somente um coração puro,
livre do pecado, pode abrir-se e somente olhos honestos podem ver o caminho
pelo qual desejo conduzi-los. Quando compreenderem isto, vocês se tornarão
conscientes do Amor de Deus - será dado como presente a vocês. Então
vocês o darão como um presente aos outros, como uma semente de amor. Obrigada a
vocês” - Mensagem do dia 25 de novembro de 2011
à Marija Pavlovic-Lunetti
A IGREJA CELEBRA
HOJE , SÃO MARTINHO DE LIMA - Com alegria
celebramos a santidade de vida de um santo do nosso chão latino-americano. São
Martinho nasceu no Peru em 1579, filho de um conquistador espanhol com uma
mulata panamenha . Grande parte da sociedade de Lima não diferenciava tanto da
nossa atual, pois sustentava a hipócrita postura do preconceito racial, por
isso Martinho sofreu humilhações, por causa de sua pele escura. Aconteceu que
São Martinho não foi reconhecido portador de sangue nobre, e nem precisava,
porque educado de forma cristã pela mãe, descobriu com a vida que o “aspecto
mais sublime da dignidade humana está na vocação do homem à comunhão com Deus”
(Catecismo da Igreja Católica) . Com idade suficiente, São Martinho, homem
cheio do Espírito Santo e de obras no Amor, conseguia servir a Cristo no
próximo, primeiramente pela suas diversas profissões (barbeiro, dentista,
ajudante de médico), e mais tarde amou Deus no outro e o outro em Deus, como
irmão da Ordem Dominicana. Mendigo por amor aos mendigos, São Martinho de
Porres, ou de Lima, destacou-se dentre tantos pela sua luta contra o Tentador e
a tentação, além da humildade, piedade e caridade. Sendo assim, Deus pôde munir
Martinho com muitos Carismas, como o de cura e milagres, sem que estes o
orgulhasse e o impedisse de ir para o Céu, onde entrou em 1639 . São Martinho de Lima, rogai por nós!
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