Recentemente li livro de sacerdote que narrava, profundamente afetado, o abandono do sacerdócio por ex-aluno seu, que poucos dias antes havia sido ordenado. Indagava que razão (ou razões) pode(m) estar por trás de tão lamentável acontecimento. Não propõe resposta definitiva ao caso, mas insere o problema dentro do contexto da má formação que, infelizmente, há anos, tem sido praticada em muitos seminários.
Sem pretender ser o “Colombo do ovo”, que encontra solução simples para problema complexo, mas apenas baseado na própria experiência de vida e profissional, creio ser válido dizer que parte do problema apontado crava raízes na questão da vocação, não somente no sentido mais elevado deste termo, mas no mais elementar, ao que denomino “vocação natural”. Se a pessoa não for ensinada desde jovem a dar o necessário aporte cultural à sua vocação para que se torne apto a tornar-se profissional da área com ela compatível, dificilmente conseguirá fazê-lo na idade adulta. Nesta idade, não conseguirá, em resultado, ser fiel à palavra que dê, pois não se sente comprometido com o que faz no presente mas fica sonhando com o que eventualmente fará no futuro. No fim ou será sacerdote infiel ou aposentado frustrado.
No funcionalismo público, onde trabalhei por 18 anos, vi acontecer, com muitíssima frequência, o abandono de carreiras “liberais” em proveito de cargos de comissão. Tanto estudantes quanto profissionais do Direito, Medicina, Engenharia (apenas para citar as principais profissões) abandonavam tais áreas para disporem de mais tempo livre para o exercício de cargos comissionados. O resultado não poderia ser pior: para acalmarem a própria consciência, desenvolviam argumentos (falhos, na verdade) que justificassem a troca de perspectiva de vida. Diziam que os profissionais de tais áreas não ganhavam tanto quanto eles nos cargos comissionados, o que era verdade, a qual não seria problemática se ficasse somente nisto. Porém – e aí é que vinha o pior – prosseguiam tentando provar que o esforço de encaixe em tais áreas (ou outras) não valia a pena, era tempo perdido e, por isso, não era escolha sensata. Com isso criavam uma falsa cultura que pudesse apoiar os esforços de viverem num mundo à parte, mundo do qual estavam excluídos de antemão todos os que manifestassem a alegria própria dos que se encaixam profissionalmente em ofícios compatíveis com suas vocações.
Como o resultado desse tipo de erro só se percebe depois de muitos anos, ao se aposentarem ou chegarem próximo da aposentadoria, não parecia ser pequeno o número dos que adoeciam. Davam – e dão – a impressão de que a doença lhes afetava, primeiro, o espírito e em seguida o corpo. Porque aposentaram-se em condições privilegiadas (salários iguais a se tivessem permanecido na “ativa”, assistência médica de político brasileiro, propriedade de imóveis comprados com financiamentos mais que vantajosos, etc.). Possuíam tudo que se pode esperar do dinheiro para a vida física.
Só faltava uma coisa: vida com sentido. O convívio com eles tornava-se difícil porque era como se escutasse o lamento dos que escolheram deixar em plano secundário as próprias exigências vocacionais.
No livro em que o sacerdote narra o abandono do sacerdócio por conhecidos e ex-alunos seus, aponta a triste condição de alguns: recusando-se a obedecer à Igreja (que Jesus criou para que o jugo da verdade sobre nós fosse leve), tinham de obedecer à esposa ou ao patrão, não raro pessoas caprichosas. No caso dos colegas funcionários públicos aposentados, vendo diminuírem a remuneração e as vantagens indiretas nas empresas em que serviram por tantos e longos anos, não possuem para os filhos a certeza que possuíam para si na própria juventude a respeito de como encaminhá-los a profissões que lhes o mesmo nível de bem-estar profissional. Isto porque, de tanto ouvirem agora falarem de vocação, seus filhos, além do dinheiro, manifestam expectativa de que a vida tenha sentido. Se eles, os pais, abdicaram do sentido da vida pelas comissões, então não sabem como responder aos filhos, que deles então se afastam e se associam com “amigos” fora de casa. Não poucos, ao fazerem isso, se associam mal e adquirem vícios de difícil combate.
Tanto no caso do abandono do sacerdócio quanto no dos funcionários públicos – apenas para ficar nesses dois exemplos – a solução parece ter de residir no preparo da vida fundado no que é vocacional e voltado primeiro e principalmente para o encaixe profissional na vida. Se o que se prepara para o sacerdócio for pessoa capaz de, fora dele, cuidar da própria vida profissional, provavelmente, decidindo ser sacerdote, será pessoa fiel ao que decidiu. Caso não, encarará a formação intelectual para o sacerdócio não como ela deve ser encarada, como a formação capaz de torna-lo apto a “...responder ... a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança...” (1Pe 3, 15), mas como uma “escada” para outro tipo de vida.
Em um e outro caso, do sacerdote que abandona os votos e no profissional que renuncia à vocação, os resultados no mais das vezes parecem ruins. Este porque ao dar-se conta da importância do atendimento à vocação poderá não fazê-lo contando com suficiente vigor físico para dar eficiência a esta tomada de consciência; aquele porque dificilmente encontrará interlocutor à altura da cultura que adquiriu e do múnus de que desfrutou por algum tempo.
Joel Nunes dos Santos, em 07 de julho de 2012.
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