No dia 7 de junho, quinta-feira passada, celebramos com a Igreja a festa de Corpus Christi, Sacrifício Eucarístico, que no Direito Canônico (cânon 897) assim se comenta: “O Sacrifício Eucarístico, memorial da morte e ressurreição do Senhor, em que se perpetua pelos séculos o Sacrifício da cruz, é o ápice e a fonte de todo o culto e da vida cristã, por ele é significada e se realiza a unidade do povo de Deus, e se completa a construção do Corpo de Cristo.”
Neste dia celebramos o que recebemos em toda Missa, a Nosso Senhor em corpo, sangue, alma e divindade, a exemplo do que fez Nossa Senhora. Ela O recebeu ao pronunciar seu “fiat”: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.” (Lucas 1, 38).
Com a Eucaristia Deus responde à vocação do homem: dá-Se a nós num gesto de tamanha humildade que nem homem ou anjo poderia conceber maior.
Nos detalhes de imensa grandeza em torno à Eucaristia encontramos elementos que atestam a presença da inconcebível humildade de Deus. Em primeiro lugar, ela, a Eucaristia, se anuncia na vocação de Maria que, ao pronunciar as palavras “Faça-se em mim segundo a tua palavra”, pratica ação de humilde confiança no anjo através do qual Deus a fez saber de sua vontade.
Deus se dirigiu à Maria, o que em si mesmo é gesto de inconcebível humildade, a qual humildade o anjo reiterou quando lhe disse “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.” (Lucas 1, 28), reconhecendo ela ter sido mais cumulada de graça do que ele (ou mesmo do que qualquer outra criatura). Jesus diferencia seus discípulos de quaisquer outros ensinando-os a orar dirigindo-se a Deus com um grau de confiança e intimidade que o homem só experimenta lá pelos quatro ou cinco anos, ao dar a mão o pai. Ensina-os a se dirigirem a Deus pronunciando “Abbá”, termo que a criança nesta idade dirigia ao pai ao lhe dar a mão de maneira cegamente confiante, conforme explica J. Jeremias no seu livro “O Pai Nosso”. O Pai Nosso reveste-se do peso e valor psicológico que, em nossa língua, referimos com a expressão “Paizinho”.
Ao atender ao chamamento de Deus, Maria concebe do próprio Deus, como que indicando às gerações posteriores que o mesmo Deus haveria de ser recebido também no e pelo corpo do homem. Quando Jesus antecipou a Eucaristia aos que se dispuseram a segui-lo, depois de Ele ter transformado a água em vinho, dizendo “se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos” (João 6, 51), a notícia foi tão espantosa que só ficaram com Ele os que já estavam antes. Porque era informação tão espantosa quanto dizer “assim como Minha mãe me levou em seu ventre, vocês, homens, também me terão em seu corpo”. Tanto uma coisa como outra são definitivamente “impossíveis”: Maria conceber virginalmente; os homens haverem Deus no próprio corpo.
Na sequência dos acontecimentos, vemos Deus humildemente se ajustando à maneira como o homem e a mulher poderiam, a partir dos sentidos, conceber Sua grandeza, Seu amor e Seu poder. Determinou que a Eucaristia seria precedida de sacrifício, primeiramente cruento (físico, violento, sanguíneo) e, depois, incruento (Missa). Mas Deus determinou que tais acontecimentos expressassem a superação mesma do que seria possível ser realizado por anjo ou pelo ser humano. Mostrou, para comoção da mulher, algo que nenhum mulher faria – e se alguma o fizesse, seria por extrema loucura ou extremo amor, o mesmo valendo para o homem: nenhum homem o faria, exceto por extrema loucura ou extremo amor.
Quanto ao que respeita à mulher quero dizer isto: não há mulher (normal) que aceite o sofrimento do próprio filho; quanto ao homem (normal), não há aquele que aceite ver o sangue do próprio filho. O que parece mostrar-se nos evangelhos: as mulheres não se ausentaram da vida de Jesus, ainda nos piores momentos, o mesmo não podendo ser dito com a mesma firmeza a respeito dos homens. No caso do homem, porque o impacto de ver o próprio sangue é algo terrível e não previsto pela natureza (diferentemente do que ocorre com a mulher). Daí o homem, na média dos casos, recusar-se a ver outro verter sangue. Por natureza, o sangue é símbolo eficaz de dor para o homem, enquanto que proteção do filho com o próprio corpo o é da mulher.
A mulher é capaz de conceber, sem muita dificuldade, a custódia de outro corpo no seu, algo impossível ao homem. Dificuldade que Deus, em seu infinito amor e poder, solucionou, fazendo as coisas de uma tal maneira que tanto o psiquismo da mulher quanto do homem fossem igualmente – e fortemente – impactados. Deus agiu de um modo que nem mãe, nem pai, por natureza, agiriam: entregou o próprio Filho e permitiu que Ele fosse tão maltratado a ponto de todo o sangue do Seu corpo ter sido retirado como a uva ao ser esmagada para fazer vinho. Nem mãe nem pai permitiriam tais coisas, possuindo poder para evitá-las. Por essas razões são admiráveis as palavras do evangelista “...de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único” (Jo 3, 16), uma vez que não há mãe que aceitaria “não fazer nada a respeito” ou pai que consentisse em ver derramar o sangue do filho. Mas Deus é mais pai e mais mãe do que qualquer amorosa mãe ou amoroso pai.
Maria, nos 33 anos de convívio com Jesus, foi a primeira criatura informada dos mais íntimos detalhes do maior de todos os mistérios, a Encarnação de Deus. Somente isto, parece, explica que ela, mãe amorosíssima e intimíssima de Deus, não tenha feito valer sua onipotência suplicante para alterar o rumo dos acontecimentos. Tal atitude, “passiva”, de Nossa Senhora, seria impossível na ausência da Graça sobrenatural, que ela recebeu em grau máximo, a qual a tornava apta a amar ao próximo mais do que a si mesma. Por amor a nós, aceitou o sacrifício do seu Filho.
Mas, se é assim tão comovente e grandiosa a atitude de Maria, maior ainda é a de Jesus, que ainda permanece “passivo”, à disposição do homem, de qualquer homem, ao fazer-se presente em cada consagração. Que maior humildade poderia haver que a de Deus, primeiro fazer-Se homem e, no seguimento, revestir-Se da aparência de “coisa”, como o são o pão e o vinho? Quem de nós se rebaixaria tanto?
É esta a festa que celebramos nesta quinta-feira, 7 de junho, a de Corpus Christi. Refletindo um pouco sobre o seu conteúdo, acredito ser possível vislumbrar também o sentido das palavras “alimento dos anjos” associado à Eucaristia. Por certo, nem os anjos, com suas magníficas inteligências, poderiam supor que Deus, que os criou, faria as coisas do modo que fez, tornando-se, Ele próprio, alimento das suas criaturas. Não conseguiriam imaginar como é que Deus poderia assumir forma humana, limitadíssima como é em inteligência e poder, e assim mesmo fazer resplender toda a Sua glória. O admirável Deus tornou ao homem possível a experiência de custodiar a vida no seu próprio corpo; e à mulher, compreender o sentido das palavras “Seja feita a Tua vontade”. Ambas essas coisas são impossíveis em ausência da Graça de Deus, a qual está presente sensivelmente como objetivo e culminância nisto mesmo que é a Eucaristia.
Joel Nunes dos Santos, em 09 de junho de 2012.
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