VATICANO, 04 Jun. 12 / 02:09 pm (ACI/EWTN Noticias)
A Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) no Vaticano, com a aprovação
do Papa Bento XVI, condenou o livro “Just Love. A Framework for
Christian Sexual Ethics” (Só Amor: Um marco para a ética sexual cristã)
da religiosa Ir. Margaret A. Farley, ex-superiora geral da congregação
‘Sisters of Mercy of the Americas’ (Irmãs da Misericórdia das
Américas), no qual se promove a masturbação, os atos homossexuais, as
uniões homossexuais e o divórcio.
Por sua importância, ACI Digital reproduz em sua integridade a
notificação divulgada hoje pela CDF e assinada pelo seu Prefeito o
Cardeal William Levada:
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
Notificação sobre o livro
Just Love. A Framework for Christian Sexual Ethics
de Irmã Margaret A. Farley, R.S.M.
Introdução
A Congregação para a Doutrina da Fé, depois de um primeiro exame do
livro da Irmã Margaret A. Farley, R.S.M., Just Love. A Framework for
Christian Sexual Ethics (New York: Continuum, 2006), endereçou à autora
por meio dos bons ofícios de Irmã Mary Waskowiak, então Superiora Geral
das Sisters of Mercy of the Americas, com carta de 29 de março de 2010,
uma avaliação preliminar abrangente, indicando os problemas doutrinais
presentes no texto. A resposta de 28 de outubro de 2010, enviada pela
Irmã Farley, não foi suficiente para esclarecer os problemas indicados.
Como o caso se referisse a erros doutrinários presentes num livro cuja
publicação se revelara causa de confusão entre os fiéis, a Congregação
decidiu empreender um “exame para casos de urgência”, segundo o
Regulamento para o exame doutrinal (cf. cap. IV, art. 23-27).
A propósito, depois da avaliação feita por uma Comissão de
especialistas (cf. art. 24), a Sessão Ordinária da Congregação, em data
de 8 de junho de 2011 confirmou que o livro em questão continha
proposições errôneas, e que a sua divulgação implicava riscos de graves
danos aos fiéis. Sucessivamente, com carta de 5 de julho de 2011, foi
transmitida à Irmã Waskowiak a lista das proposições errôneas, pedindo
que quisesse convidar a Irmã Farley a corrigir as teses inaceitáveis
contidas no seu livro (cf. art. 25-26).
Com carta de 3 de outubro de 2011, a Irmã Patrícia McDermott, que
entrementes se sucedera à Irmã Mary Wakowiak como Superiora Geral das
Sisters of Mercy of the Americas, transmitiu à Congregação a resposta da
Irmã Farley, acompanhada pelo próprio parecer e do de Irmã Waskowiak,
em conformidade com o art. 27 do supracitado Regolamento. Esta resposta,
avaliada pela Comissão de especialistas, foi submetida à Sessão
Ordinária para discernimento, aos 14 de dezembro de 2011. Em tal
ocasião, considerando que a resposta da Irmã Farley não esclarecia
adequadamente os graves problemas contidos no seu livro, tomou-se a
decisão de proceder à publicação desta Notificação.
1. Problemas de caráter geral
A Autora não apresenta uma compreensão correta do papel do Magistério
da Igreja como ensinamento autorizado dos Bispos em comunhão com o
Sucessor de Pedro, que guia a compreensão sempre mais profunda, por
parte da Igreja, da Palavra de Deus, como se encontra na Sagrada
Escritura, e transmitida fielmente pela tradição viva da Igreja. Ao
tratar de argumentos de caráter moral, Irmã Farley ou ignora o
ensinamento constante do Magistério ou, quando o menciona
ocasionalmente, o trata como uma opinião entre outras. Uma tal posição
não pode ser justificada de modo algum, nem mesmo ao interno de uma
prospectiva ecumênica que a Autora deseja promover. Irmã Farley revela
outrossim uma compreensão defeituosa da natureza objetiva da lei moral
natural, escolhendo antes de argumentar partindo de conclusões seletas
de determinadas correntes filosóficas ou com a sua própria compreensão
da “experiência contemporânea”. Um tal modo de tratar não é conforme à
genuína teologia católica.
2. Problemas específicos
Dentre os numerosos erros e ambigüidades do livro, é mister chamar a
atenção para as posições a respeito da masturbação, dos atos
homossexuais, das uniões homossexuais, da indissolubilidade do
matrimônio e do problema do divórcio e das segundas núpcias.
Masturbação
Irmã Farley escreve: “A masturbação (…) geralmente não comporta
nenhum problema de caráter moral. (…) Este é sem dúvida o caso de muitas
mulheres que (…) encontraram um grande bem no prazer buscado consigo
mesmas – e talvez exatamente na descoberta das suas próprias
possibilidades em relação ao prazer -, algo que muitas nem tinham
experimentado e nem mesmo conhecido no tocante às suas relações sexuais
ordinárias com maridos ou amantes. Neste sentido, é possível afirmar que
a masturbação de fato favorece as relações muito mais do que as
obstacula. Por isso a minha observação conclusiva é que os critérios da
justiça, assim como os apresentei até agora, pareceriam aplicáveis à
escolha de provar prazer sexual auto-erótico somente enquanto esta
atividade pode favorecer ou danificar, mantém ou limita, o bem-estar e a
liberdade de espírito. E esta resta amplamente uma questão de caráter
empírico, não moral” (p. 236).
Estas afirmações não são conformes à doutrina católica: “Na linha
duma tradição constante, tanto o Magistério da Igreja como o sentido
moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação é um ato
intrínseca e gravemente desordenado». «Seja qual for o motivo, o uso
deliberado da faculdade sexual fora das normais relações conjugais
contradiz a finalidade da mesma». O prazer sexual é ali procurado fora
da «relação sexual requerida pela ordem moral, que é aquela que realiza,
no contexto dum amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e
da procriação humana. Para formar um juízo justo sobre a
responsabilidade moral dos sujeitos, e para orientar a ação pastoral,
deverá ter-se em conta a imaturidade afetiva, a força de hábitos
contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais
que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.”1
Atos homossexuais
Irmã Farley escreve: “Do meu ponto de vista (…), as relações
homossexuais o os atos homossexuais podem ser justificados, de acordo
com a mesma ética sexual, exatamente como as relações e os atos
heterossexuais. Por isso, as pessoas com inclinações homossexuais, assim
como os seus respectivos atos, podem e devem ser respeitados,
indiferentemente de haver ou não a alternativa de serem diferentes” (p.
295).
Tal posição não é aceitável. A Igreja Católica, de fato, distingue
entre pessoas com tendências homossexuais e atos homossexuais. Quanto às
pessoas com tendências homossexuais, o Catecismo da Igreja Católica
ensina que as mesmas devem ser acolhidas “com respeito, compaixão e
delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de
discriminação injusta”.2 No entanto, quanto aos atos homossexuais o
Catecismo afirma: “Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta
como depravações graves a Tradição sempre declarou que «os atos de
homossexualidade são intrinsecamente desordenados. São contrários à lei
natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma
verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum,
ser aprovados”.3
Uniões homossexuais
Irmã Farley escreve: “Legislações sobre a não discriminação dos
homossexuais, como também sobre os casais de fato, as uniões civis e os
matrimônios gay, podem ter um papel importante na transformação do ódio,
da marginalização e da estigmatização de gays e lésbicas, o que se
reforça ainda hoje com ensinamentos a respeito do sexo “contra a
natureza”, desejo desordenado ou amor perigoso. (…) Uma das questões
mais urgentes do momento, diante da opinião pública dos Estados Unidos, é
o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo – equivale a dizer a concessão
de um reconhecimento social e de uma qualificação jurídica às uniões
homossexuais, sejam masculinas ou femininas, comparáveis às uniões entre
heterossexuais” (p. 293).
Tal posição é oposta ao ensinamento do Magistério: “A Igreja ensina
que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo
nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento
legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis reconheçam,
favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula
primária da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou
equipará-las ao matrimônio, significaria, não só aprovar um
comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num modelo para a
sociedade atual, mas também ofuscar valores fundamentais que fazem
parte do patrimônio comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de
defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade”.4
“Em defesa da legalização das uniões homossexuais não se pode invocar o
princípio do respeito e da não discriminação de quem quer que seja. Uma
distinção entre pessoas ou a negação de um reconhecimento ou de uma
prestação social só são inaceitáveis quando contrárias à justiça. Não
atribuir o estatuto social e jurídico de matrimônio a formas de vida que
não são nem podem ser matrimoniais, não é contra a justiça; antes, é
uma sua exigência”.5
Indissolubilidade do matrimônio
Irmã Farley escreve: “A minha posição pessoal é que o empenho
matrimonial seja sujeito à dissolução pelas mesmas razões fundamentais
pelas quais todo empenho permanente, extremamente grave e quase
incondicionado, pode cessar de exigir um vínculo. Isto implica que
existam de fato situações nas quais as coisas mudaram demais – um ou os
dois partner mudaram, a relação entre eles mudou, a razão original do
seu compromisso recíproco parece completamente extinta. O sentido de um
compromisso permanente é ademais exatamente aquele de vincular a
despeito de todas as mudanças que podem aparecer. Mas é possível de
sustentá-lo sempre? É possível sustentá-lo apesar de mudanças radicais e
imprevistas? A minha resposta é: às vezes não é possível. Às vezes a
obrigação pode ser desfeita e o compromisso pode ser legitimamente
modificado”(págs. 304-305).
Uma opinião semelhante está em contradição com a doutrina católica
sobre a indissolubilidade do matrimônio: “Pela sua própria natureza, o
amor conjugal exige dos esposos uma fidelidade inviolável. Esta é uma
consequência da doação de si mesmos que os esposos fazem um ao outro. O
amor quer ser definitivo. Não pode ser «até nova ordem». «Esta união
íntima, enquanto doação recíproca de duas pessoas, tal como o bem dos
filhos, exigem a inteira fidelidade dos cônjuges e reclamam a sua união
indissolúvel». O motivo mais profundo encontra-se na fidelidade de Deus à
sua aliança, de Cristo à sua Igreja. Pelo sacramento do Matrimônio, os
esposos ficam habilitados a representar esta fidelidade e a dar
testemunho dela. Pelo sacramento, a indissolubilidade do Matrimônio
adquire um sentido novo e mais profundo. O Senhor Jesus insistiu na
intenção original do Criador, que queria um matrimônio indissolúvel. E
abrogou as tolerâncias que se tinham infiltrado na antiga Lei. Entre
batizados, o matrimônio rato e consumado não pode ser dissolvido por
nenhum poder humano, nem por nenhuma causa, além da morte”6.
Divórcio e segundas núpcias
Irmã Farley escreve: “Se há filhos do matrimônio, os ex-cônjuges
deverão ajudar-se reciprocamente por anos, talvez por toda a vida, no
projeto familiar empreendido. De qualquer modo, as vidas de duas pessoas
uma vez casadas continuam marcadas pela experiência do matrimônio. A
profundidade daquilo que resta admite graus, mas algo resta. No entanto,
aquilo que resta impede um segundo matrimônio? Acho que não. Qualquer
tipo de obrigação que implique um empenho não deve incluir a proibição
de um novo matrimônio – pelo menos não tanto quanto a ligação atual
entre os esposos resulte numa tal proibição para quem continua vivo
depois da morte do cônjuge” (p. 310).
Tal visão contradiz a doutrina católica que exclui a possibilidade de
segundas núpcias depois de um divórcio: “Hoje em dia e em muitos
países, são numerosos os católicos que recorrem ao divórcio, em
conformidade com as leis civis, e que contraem civilmente uma nova
união. A Igreja mantém, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo («quem
repudia a sua mulher e casa com outra comete adultério em relação à
primeira; e se uma mulher repudia o seu marido e casa com outro, comete
adultério»: Mc 10, 11-12), que não pode reconhecer como válida uma nova
união, se o primeiro Matrimônio foi válido. Se os divorciados se casam
civilmente, ficam numa situação objetivamente contrária à lei de Deus.
Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística, enquanto
persistir tal situação. Pelo mesmo motivo, ficam impedidos de exercer
certas responsabilidades eclesiais. A reconciliação, por meio do
sacramento da Penitência, só pode ser dada àqueles que se arrependerem
de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo e se
comprometerem a viver em continência completa.”7
Conclusão
Com esta Notificação, a Congregação para a Doutrina da Fé expressa
profundo pesar pelo fato de que um membro de um Instituto de Vida
Consagrada, a Irmã Margaret A. Farley, R.S.M., afirme posições em
contraste direto com a doutrina católica no âmbito da moral sexual. A
Congregação previne os fiéis de que o livro Just Love. A Framework for
Christian Sexual Ethics não é conforme à doutrina da Igreja e portanto
não pode ser utilizado como válida expressão da doutrina católica nem
para a direção espiritual e formação, nem para o diálogo ecumênico e
inter-religioso. A Congregação deseja além disso encorajar os teólogos a
fim de que prossigam na tarefa do estudo e do ensinamento da teologia
moral em plena conformidade com os princípios da doutrina católica.
O Sumo Pontífice Bento XVI, durante a
Audiência concedida ao abaixo assinado Cardeal Prefeito, em data de 16
de março de 2012 aprovou a presente Notificação, decidida na Sessão
Ordinária desta Congregação em data de 14 de março de 2012, e mandou que
se publicasse.
Roma, da Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 30 de março de 2012.
William Cardeal Levada
Prefeito
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