domingo, 27 de maio de 2012
Características das vocações naturais
Aproveito a ocasião para atender à solicitação da leitora Catarina que, após a leitura do artigo “A vocação missionária de Santa Teresinha do Menino Jesus” pediu que eu esclarecesse as características das vocações naturais.
As vocações naturais são em número de 4: Filosófica, Científica, Artística e Interpersonalística.
A filosófica dota o homem da capacidade de compreender e explicar as coisas; a científica, de desencadear efeitos pretendidos; a artística, de combinar coisas e com elas criar uma nova unidade; a interpersonalística, de interpretar as necessidades psicológicas de terceiros.
Sendo o homem “animal racional”, duas vocações derivam da parte racional e duas da parte sensitiva. Ser animal racional significa que o homem possui corpo (onde estão instalados os sentidos) e razão autônoma, também denominada inteligência. De modo que duas vocações (as intelectuais) dizem respeito à capacidade de investigar os princípios ou causas das coisas; e duas, ao que afeta psicologicamente as pessoas.
Para cada uma das vocações existe uma condição que precisa ser atendida para que a alma da pessoa repouse, bem como para que ela faça as coisas com uma dose maior de envolvimento pessoal. Para os de vocação filosófica, o repouso de sua alma se dá quando encontra (ou está envolvida com encontrar) explicação para os dilemas do intelecto. Para os de vocação científica, quando encontra (ou está envolvida com encontrar) solução prática para as dificuldades desencadeadas pelas circunstâncias. Para os de vocação artística, quando podem eles próprios (ou suas criações) serem o centro das atenções. Os de vocação interpersonalística, quando podem se colocar pela perspectiva do interesse de terceiros.
No artigo publicado no domingo, 14 de agosto de 2011 (“A vocação missionária de Santa Teresinha do Menino Jesus”) http://nossasenhorademedjugorje.blogspot.com.br/2011/08/vocacao-missionaria-de-santa-teresinha.html), retomo suas palavras, quando diz “Vim para salvar as almas, e principalmente para rezar pelos sacerdotes” (Hist. uma alma, p. 167). A parte “rezar pelos sacerdotes” significa usar o tempo da própria vida fazendo algo pelo outro, colocando-se pela perspectiva de terceiros. Este interesse/atitude resulta da componente “interpersonalística” na vocação (artística) desta santa.
Quem se dê ao cuidado de tentar discernir o que há de constante e firme nos escritos do Papa Bento XVI notará, sem grande dificuldade, os traços da vocação filosófica. Nota-se em seus escritos uma notável coragem e penetração intelectual, além do sentido da finíssima arte de extrair dos textos o que neles haja de mais fundamental e profundo. É difícil ficar alheio ao forte impacto que provoca a leitura de seus livros: ou o leitor fica encantado com as finíssimas soluções que ele encontra para os mais difíceis dilemas intelectuais que atrapalham muitos a perseverarem na fé; ou então se sente ameaçado pela impressão de que ele está tirando o tapete das certezas que, pelo menos na aparência, torna a vida mais fácil de ser vivida. A título de dilema intelectual da atualidade vale citar a questão do relativismo: muitos católicos relativizam a importância da fé que abraçaram, entendendo que há outras igualmente boas. Há aqueles que não conseguem entender a diferença entre a fé que abraçaram e o misticismo; a diferença que há entre Deus ter vindo até nós (fé católica) e tentar ir até Deus com o uso das próprias forças (misticismo). Tais questões, que parecem de importância secundária, são justamente as que repousam a alma dos de vocação filosófica. A elas o referido Papa dá tratamento e solução dignas do mais fino, penetrante e requintado filósofo.
Como exemplo de vocação de tipo científica, vale citar o Santo Padre Pio. De início, parece constar que seus escritos foram somente cartas, nas quais tratou do minimamente necessário para por seu diretor espiritual a par do que lhe acontecia. Era um homem indiscutivelmente prático, cujo encanto sempre foi, ao longo de toda a sua vida, a concretude mesma da vida. Ser devoto do Santo Padre Pio me dá a impressão de que a pessoa resolveu afirmar com a própria vida a intenção de fazer, fazer, fazer. Não notei nele ou em seus devotos o gosto por algo senão no fazer aquilo que agrada a Deus, isto é, rezar e agir, agir pela oração e de maneira alguma parecem interessados em sutilezas filosóficas tão a gosto de outros devotos de outros santos. É visível que ele deixou como obra sua, material, um enorme hospital, uma dádiva aos pobres como nunca puderam receber outra igual. E os grupos de oração? Não é esta uma solução praticíssima que a Igreja (através dele) criou como uma da melhores soluções para um tipo de dificuldade que só se tornaria compreensível para grande número de católicos décadas depois? Não são os grupos de oração a solução antecipada para a situação que só atualmente é vista, sentida e admitida como real e provavelmente definitiva para as décadas vindouras, o domínio da sociedade por governantes e legislações que vão paulatinamente impodo o vício como obrigatório e a virtude como crime? É o que as sociedades atuais vêm experimentando nas décadas que sucederam à morte deste santo padre, por exemplo, a presença de grupos influentes que têm a religião como seu principal inimigo (como é o caso dos que vivem de contrariar o 6º. e o 9º. mandamentos). De modo que os grupos de oração são a solução prática, “científica” do enorme problema futuro (considerada a época de sua criação) que seria o domínio da sociedade pelos inimigos diretos da religião.
A vocação interpersonalística, esta parece mostrar-se, dentre outros, pela obra de José Maria Escrivá. É obra que “fala pela perspectiva das necessidades da pessoa comum, que vive do próprio trabalho e trabalha para viver”. É obra que disciplina aqueles que, sem ela, mergulhariam no misticismo e no esoterismo, com isto ameaçando perderem a própria alma, ao mesmo tempo que não contribuindo para a possibilidade da existência de uma sociedade balizada por leis e critérios de convívio justos.
Não tenho visto vocação natural pura, quer dizer, somente filosófica, somente científica, artística ou interpersonalística. Tenho visto que há sempre uma principal e outra complementar, por exemplo, interpersonalística-artística; científica-interpersonalística; científica-filosófica e assim por diante.
Em conclusão, pode-se dizer que as vocações naturais se distinguem umas das outras assim como se distinguem entre si a filosofia, a ciência, a arte e o interpersonalismo. Cada uma dessas possibilidades humanas são coisas boas em si mesmas, mas, para darem os melhores frutos, é necessário que estejam articuladas umas com as outras. Em Deus elas são como que uma coisa só (como se nota pelos aspectos, atitudes e condutas de Jesus olhado pela perspectiva de sua parte humana); em nós, homens e somente homens, são coisas diferentes e significam dotações diferentes para a compreensão do mundo e da vida. O que deixa evidente a responsabilidade moral de cada ser humano abraçar a sua própria e fazê-la frutificar.
Joel Nunes dos Santos, em 24 de maio de 2012.
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