“A vocação do pai e da mãe é, em princípio, estarem juntos com o filho, igualzinho fizeram José e Maria com Jesus.” Com esta frase encerrei o artigo anterior sobre este mesmo assunto. Mas convém nos determos um pouco mais nele, pois conforme o ambiente social, a cultura imperante no meio, etc., a maneira de estar junto do filho
admite alguns senões.
O “reino de César” é instável, não somente por natureza como também pelas mais diversas razões, humanas e não humanas. Conforme a época, os costumes e as culturas mudam, tornando difícil a educação dos filhos. Há épocas particularmente ruins e épocas particularmente boas. A de Santo Antão, no lugar onde ele nasceu e vivia, era particularmente ruim, tanto assim que seu pai não o colocou em escola alguma, de modo a evitar que assimilasse costumes que o afastassem de Deus. É de se crer que nossa época seja pior do que a dele, porque hoje em dia o reino de César desenvolveu tecnologias capazes de enganar multidões inteiras e impressioná-las, excitando a soberba humana num grau nunca visto. Tanto que a coisa mais comum é encontrar pessoas, mesmo comuns e do povo, que julgam não precisarem de Deus e de religião.
Numa época onde as legislações dos países não visam educar (ou des-educar) os povos a afastarem-se de Deus, existe uma relação de contiguidade entre as diversas instituições, a escola prosseguindo a família e o trabalho prosseguindo a escola. Na família, ensinava-se o respeito a Deus e ao próximo; a escola fornecia aos alunos instrumentos intelectuais capazes de fornecer ao jovem, instrumentos técnicos, físicos ou não, que lhe permitisse dar expressão à intenção amorosa com que desempenhava tarefas na casa, só que agora fora de casa. Na escola também era reforçada a importância da moral, o que tornava possível que ao ingressar na vida profissional, a conduta ética fosse algo assim como um padrão comum a todos ou pelo menos à maioria. O que se compreende tendo-se em conta que a moral está para a ética assim como o continente para a ilha – se alguém sai de casa com boa moral, facilmente se comportará de maneira ética na vida pública. Ao contrário, se a moral é deficiente – e ela se ensina na casa, na família – a ética é praticamente impossível.
Quando digo que a nossa época é pior do que a de Santo Antão não é porque a natureza humana tenha mudado. Isso não mudou: havia forte licenciosidade naquela época, a conduta pública da mulher era impudica, a dos homens nem se fala. Porém, os instrumentos de vigilância da vida das pessoas eram infinitamente pequenos, se comparados com os de hoje em dia. Naquela época foi possível a Santo Antão viver uns sessenta anos no deserto sem que qualquer pessoa desse conta de sua existência, exceto o abnegado homem que lhe levava pão periodicamente, em troca de cestas que ele fazia. Hoje em dia, caso algum governo queira, é possível ver qualquer pessoa em qualquer parte do mundo com o uso de satélites e câmeras de altíssima precisão.
É nesta terrível época que vivemos, em que a vigilância da vida da pessoa comum é constante. Pior que tudo, época em que a ética prevalecente é aquela dada pela Economia. Ora, o nome “ética” significa sempre a consideração do bem e do mal, quer mantenha ou não relação com a natureza mesma das coisas. Na ética cristã, bem e mal têm sentido objetivo, significa obedecer aos mandamentos de Deus e da Igreja ou o seu contrário. Na ética econômica, bem é sempre o que possibilita manter a riqueza já possuída ou fazê-la aumentar. Isso significa que, para esta ética, as coisas da religião, da família, do trabalho, das práticas quaisquer que visam a obtenção de dinheiro ... é tudo a mesma coisa. Ganhar dinheiro com algo antinatural é tão aceitável quanto ganhá-lo salvando vidas, como faz o médico. Dentro desta ética, as crianças são vistas como “ativos financeiros”, quer dizer, como aquilo que produz dinheiro sem que o seu proprietário tenha de trabalhar atualmente por ele. As crianças são vistas como instrumentos úteis para tirar dinheiro de seus pais. Para tanto, aplicam-se conhecimentos científicos e psicológicos capazes de induzi-las a consumir isso ou aquilo, a desenvolverem este ou aquele hábito para cuja satisfação é necessária a aquisição de algum bem material.
Numa época assim, que alternativa resta aos pais senão a de manterem uma vigilância permanente de suas crianças? Mas vigilância não no sentido de lhes cercearem a liberdade, mas no sentido de identificar suas vocações e lhes facilitar a aquisição da cultura com elas compatíveis. Deste modo é possível neutralizar grande parte da força do “reino de César”, que as quer não para o bem delas, mas para o bem de alguém que confunde felicidade com ganho crescente de dinheiro.
O procedimento para evitar que a criança se torne consumista é ensinar-lhe o temor e amor a Deus – fórmula ensinada pelo próprio Deus, quando disse “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Luc 16, 13). Porque o homem, criatura racional que é, sempre está em busca do bem que compreende ser o mais superior: se este bem não é Deus, então trata-se do que há de mais valioso no reino de César, o dinheiro.
Joel Nunes dos Santos, em 06 de dezembro de 2011.
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