Prosseguindo no tema da vocação à paternidade, convém tratar de uma dificuldade, surgida na década de 80, a respeito do que seja melhor para a criança. Um sem-número de psicólogos, em revistas e principalmente pela televisão, disseminou a ideia de que “o importante não é a quantidade de tempo que se fica com o filho, mas a qualidade com que tal tempo é passado com ele”.
À primeira vista, pode parecer que este pensamento é totalmente sensato, como se pensou naquela década e nas seguintes. Eu, porém, permaneci cético quanto a essa sensatez, pois me pareceu (e continua parecendo) que esta pedagogia funcionaria muito bem – e talvez – com adulto. Mas a proposta não era para o bem de adultos, mas, sim, da criança.
Eis a dificuldade: a criança vive no presente, no aqui e no agora. Ela aplica toda a intensidade de sua alma ao que está fazendo, não se deixando consumir pelo que passou ou pelo que irá acontecer. Ela não possui uma representação sensível, concreta, do tempo passado e do tempo futuro, o que se esclarece com um exemplo.
Quando meu filho andava lá pelos quatro anos, pediu um determinado brinquedo, que meu salário permitia comprar. Disse que lhe daria o brinquedo, “no dia 20”, data em que recebia o salário. Ocorre que estávamos no dia 14 do mês. A toda hora ele perguntava: “Pai, hoje é dia 20?”, e não era. As perguntas foram tão insistentes que acabei ficando irritado, levantei um pouco a voz, ele chorou e dormiu. Nem preciso falar da enorme dor de consciência que senti. Aí me ocorreu que para ele o tempo ainda não tinha assumido as características que tem para o adulto. Fui ao supermercado e comprei piorrinhas coloridas, vermelho, amarelo, verde, azul, preto; comprei cola e papel sulfite. Em casa, colei-as numa folha de papel, sob as datas que iam do dia 14 ao dia 20. Quando acordou, disse-lhe que a cada dia que dormisse e acordasse, ele tiraria uma piorrinha do papel. Quando chegasse na última, nesse dia lhe daria o brinquedo. Claro que ele logo disse “Pai, estou sentindo um sono!...” não obstante ter acabado de acordar. Expliquei que assim não valia, que só ia valer quando ele dormisse e o sol também. Quando os dois fechassem o olho, e o abrissem no dia seguinte, no novo dia, aí então é que ele poderia tirar uma piorrinha colorida. Assim foi feito.
Quando ele cresceu um pouco mais, aconteceu de me pedir algum outro brinquedo. Eu disse que lhe daria no pagamento, etc., o que ele aceitou sem necessitar de piorrinhas coloridas coladas em folha sulfite. Os dias se passaram e ele não lembrava mais do pedido. Quando recebi o salário, comprei-lhe o brinquedo pedido e ele me disse, contente e admirado: “Pai, você lembrou! Eu nem me lembrava mais disso!”
Pois bem. Suponha, caro leitor, um pai zelosíssimo, mas que não pode conviver com sua criança todo dia; suponha também que a zelosíssima mãe também não possa fazê-lo, por trabalhar o dia inteiro. O que ocorrerá é que os pais, para saberem coisas pontuais a respeito de sua criança, ficarão na dependência dos profissionais que dela cuidarão. Ocorre que tais profissionais têm outras crianças para cuidar. Então, ocorrerá uma série de eventos na vida da criança, aparentemente sem importância, que nem o pai ou a mãe terão conhecimento e não poderão basear-se neles para ensinar sobre moral, fé, e tudo o mais sem o que a vida não é propriamente vida humana. A criança só reterá a memória de tais eventos sob a forma de disposição nervosa, sentimental, com relação a esta ou outra coisa, mas não as verbalizará. Serão experiências vividas, que lhes ordenará os sentimentos em certa direção mas que não exibirão toda a sua positividade pela simples razão de que não foram humanizados, isto é, verbalizados. É como deixar à criança a tarefa de reinventar a roda, de aprender tudo por si mesma.
Diferentemente disso, o pai e a mãe (um, outro ou ambos) que passem mais tempo com a criança, estarão em vantagem. Porque poderão tratar com ela sobre eventos de qualquer tipo, seja ele algo que se viu na rua, na Igreja, na TV, etc.. Os pais que só convivam com o filho poucas horas por dia só poderão ter como assunto o que ocorrer durante essas horas, ficando de fora da vida da criança a apropriação humana, pessoal e intelectual, de tudo o mais que tenha ocorrido no prazo de um dia.
Por que isso, que é tão óbvio – a maior importância de conviver o maior tempo possível com a criança – tornou-se ignorada pelos psicólogos? Creio que foi pelo seguinte: havia uma psicóloga (de quem fui aluno na graduação) que era coordenadora de um setor da Psicologia, denominada “Psicologia do Adolescente”. Para ela manter-se no cargo teria de concluir o doutorado. Ela estava grávida e daria à luz sua criança uns dois anos antes do fim do término do doutorado. Ela teria de escolher uma de duas opções: a) trancar o doutorado para ficar com a criança; b) distanciar-se da criança para concluir o doutorado. Foi quando lhe ocorreu a ideia capaz de apaziguar seu espírito, algo parecido com o que se deu com Lutero: para este, crendo em Cristo, pode-se pecar o quanto queira que não tem importância (“Peque muito mas creia mais ainda em Cristo”, dizia). A doutoranda sacou a ideia que o importante, cientificamente falando, não é passar muito tempo com a criança, mas passar um tempo qualitativo com a criança; e com isso tranquilizou sua consciência, igualzinho fez Lutero com sua solução ao próprio desejo de pecar e muito. Esta ideia foi sua tábua de salvação, pois constituiu sua tese de doutorado. E tendo a doutora falado, a questão foi dada por encerrada, cabendo apenas aos demais psicólogos ecoarem seu pensamento.
Eu continuei cético, não obstante respeitar a doutora. Organizei minha vida profissional de tal maneira que passasse o máximo de tempo possível ao lado do filho, o de que nunca me arrependi. Por causa disso, embora eu não fosse católico na época, mesmo assim pude ensinar-lhe os fundamentos da moral, ele ainda criança, de maneira tão indelével que hoje, homem já feito, ainda se recorda das lições que ouviu. Porque as dei no curso da sua vida, tratando dos princípios adequados ao evento que a circunstância momentânea o fazia viver.
A vocação do pai e da mãe é, em princípio, estarem juntos com o filho, igualzinho fizeram José e Maria com Jesus.
Joel Nunes dos Santos, em 28 de novembro de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário