Criar pertence a Deus. Contudo, emprega-se também o verbo criar para significar o estabelecimento, pelo homem, de uma nova unidade, resultante da combinação do que existe. Quando se diz que “o homem cria”, esta criação pode ser material ou imaterial. O que é material diz-se “artefato”, o que foi feito “por meio da arte” de combinar o que existe; o que é imaterial parece não ter um nome especial, pois pode tratar-se do encontro de alguma explicação fundamentada para uma dificuldade intelectual, ou então quando se trata de algo a ser contemplado, como no caso da estética (palavra cuja raiz significa “conforto dos sentidos”).
O esforço que o homem faz para criar algo pode visar a um resultado nele ou fora dele. Quando transita para fora dele, dá-se o nome de arte, como quando o escultor toma do barro e com ele faz uma obra de arte. Quando esforço semelhante é dirigido a ele próprio, o resultado denomina-se “virtude”, ou seja, o desenvolvimento do que hoje em dia poderia ser referido com a expressão “força de caráter”, uma vez que em Psicologia denomina-se caráter àquilo que o homem se torna como consequência de suas escolhas. É de se notar que São José, custódio de Jesus, esmerou-se nos dois tipos de arte: a estética, pois era carpinteiro e a carpintaria é ofício derivado da arquitetura, que exige de quem a pratica elevado senso estético visual. Um carpinteiro que não possua a capacidade (natural) para ver os objetos no espaço, como o arquiteto que enxerga uma cidade inteira construída ali onde o comum das pessoas só vêem matagal, não seria apto a seu ofício. Além disso, de São José lemos no Evangelho de Mateus (1, 19), que “...era um homem justo”. Ora, ser justo é realizar em si toda a Ética, pois “ser ético é ser justo e vice-versa”, e o fim desta ciência é ensinar o homem a desenvolver as virtudes, das quais a principal e que resume todas as outras é a Justiça. José era carpinteiro e justo – era, pois um artista completo; portanto, era criativo em sumo grau.
Mas para ser criativo, é preciso concentração, quer dizer, a pessoa precisa “estar inteira” no que faz. Caso contrário, ela será somente dispersiva, começará muitas coisas e não terminará nenhuma ou terminará muito poucas.
O contrário da concentração é a dispersão, resultado do afrouxamento da vontade, a qual se tornou incapaz (ou nunca foi capaz) de submeter os sentimentos e a imaginação a seus designos.
Quanto mais a pessoa se afasta do que nela é vocacional, menos criativa ela se torna, pois para criar é preciso concentar-se o tempo suficiente para enxergar toda a obra a ser feita. Comparando, um arquiteto precisa ver, na sua mente, a casa inteira e todos os seus detalhes, para definir seu projeto e desenhá-lo, o mesmo valendo para o carpinteiro: ele tem de visualizar todo o móvel, como se este estivesse na frente dele, no espaço, de tal modo que seu olhar o abarque por todos os lados.
Não é de estranhar que a época em que vivemos, com um número tão grande de indivíduos, observarmos um preocupante afastamento de Deus da vida das pessoas. Pudera, um dos fatores naturais que conduzem à admiração que leva a Deus é a percepção da beleza do mundo em torno. Hoje em dia, quando há acuradíssimos instrumentos de observação do inimaginavelmente pequeno e também do inimaginavelmente grande e distante – microscópios e telescópios potentíssimos – as conclusões a que muito chegam a partir do que vêem é que o homem nada mais é que uma pequena quantidade de “poeira cósmica”; portanto, uma espécie até mais insignificante que os insetos. Conclusão deprimente e própria de quem não consegue dirigir o olhar natural e contemplar sinais e vestígios de Deus nas coisas que Ele criou e imprimiu caracteres que dEle falam a quem queira e possa ver, sendo que dentre todas as coisas criadas por Deus, nada possui analogia mais forte com Ele do que a própria alma humana. Quando o homem é visto então como “poeira cósmica” (não com relação a Deus, mas ao universo material), então é sinal de que o afastamento da vocação por parte das pessoas é realmente um dado preocupante.
Irmã Lúcia escreve (“Apelos da Mensagem de Fátima”, Ed. Secretariado dos Pastorinhos, Fátima, Portugal, 2000, p. 196): “A acção de Deus não destrói a natureza humana, antes a aperfeiçoa e dignifica”. Ora, a natureza humana encontra o seu ótimo naquilo que coincide com a vocação do sujeito. Se na vida natural a pessoa, sob qualquer pretexto, se afasta do que nela é vocacional, aplicando a força deste dom a objetos e assuntos que não são de sua conta (como costumam fazer os que se julgam aptos a julgar a Igreja e ao Papa, por exemplo), então é compreensível que tal pessoa está dizendo não à ação de Deus. Ela não consegue nem ser criativa nem recipiente do que Deus dispõe dar-lhe, para tanto bastando somente que ela o consinta. Como consentiu José, artista e custódio de Jesus e, mais ainda, Maria, a Cheia de Graças.
Que Deus nos dê a graça de podermos ser criativos, isto é, imitadores Seus, de modo que assim sendo, nos coloquemos na condição exigida para que Ele, com Sua graça, nos aperfeiçoe e a Ele nos conduza.
Joel Nunes dos Santos, em 05 de novembro de 2011.
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