Creio que somente na Igreja se fala em Moral sem logo em seguida referir-se à Ética. Isto parece ser assim por pelo menos uma razão: a Moral, que não é ciência, contém a Ética, que é ciência. E a Igreja, ao ensinar, demonstra a superioridade do que ensina: amar fazer o bem e detestar praticar ou aproximar-se do mal está acima de apenas fazer o bem e afastar-se do mal. Porque onde há caridade, a intensidade do amor é muito maior. Ao tratar da Moral, a Igreja se dirige mesmo a crianças; então, é o mesmo que ensinar ao adulto Ética.
A Ética tem como matéria as ações e paixões, enquanto que a Moral a intenção do homem. Pela perspectiva da Ética, deve-se praticar o bem porque o certo é fazê-lo; pela da Moral, deve-se amar fazer o bem e sentir-se mal por não fazê-lo, porque, além de isto ser certo, é mais louvável.
A Ética, explica o criador desta ciência, Aristóteles (com o que concorda Santo Tomás de Aquino), não encontra no jovem estudante adequado, pois o que ela propõe e ensina é a moderação, enquanto que o jovem, ciente de ter “muita energia pra gastar”, pouco se ocupa do hábito de conter-se. A Moral, ao contrário, tem na criança, muito antes do que no jovem, seu público ideal, pois os hábitos que seu ensino cria ordenam os movimentos da alma antes da idade em que o homem tenha atingido a condição de dar-lhe tratamento racional e sistemático. Porque ela é ensinada na casa e na Igreja, enquanto que a Ética, na escola. Daí ser correto dizer que a Ética é a aplicação da Moral fora dos limites da própria casa, verdade esta que deixa evidente não ser possível Ética caso se despreze a Moral.
Desta rápida comparação se vê a grande dificuldade que só tem aumentado quando a questão é educar as novas gerações. No Brasil, o Legislador assumiu, há menos de uma década, desprezar a Moral como dado relevante nas disputas legais. Por exemplo, consta que a partir de 2005 o adultério e a sedução não são mais crimes, ou seja, pecar contra o 6º. e o 9º. mandamentos não é mais crime. Ora, pela perspectiva do Direito, é lícito fazer tudo que a lei (positiva) não proibe. É lícito, portanto, sob esta perspectiva, e a partir daquele ano, violar a sacralidade do casamento e da castidade. E não se pode dizer que o Legislador cancelou a Moral; não, ele apenas definiu outro parâmetro moral, porque, como dito acima, a Moral versa sobre a intenção do homem, e este age sempre em vista de (com a intenção de) um fim. Portanto, Moral sempre existe – o que não é o mesmo que dizer que o Direito Positivo, a lei sancionada coincida com a Lei (ou Moral) Natural.
Por que Moral “Natural”? Porque ela é a inclinação positiva e primeira da alma humana no referente às relações que os homens estabelecem uns com os outros. Mesmo o pecado original não a suprimiu da alma humana – tanto não suprimiu que os homens possuem consciência do bem e do mal; mesmo quando este ou aquele pratica o mal, o faz sob a razão de bem, pela certeza pessoal, subjetiva, de que faz algo que lhe traz algum bem.
Mesmo numa época conturbada como a nossa, quando até mesmo o continente que surgiu e se impôs graças à fecundação da fé cristã – refiro-me à Europa – vira as costas para tal herança e aprova leis a ela contrárias, é possível perceber que Deus não deixou o homem desamparado. Mesmo no Brasil, onde o que se fez na Europa, descristianizando-a, tenta-se aplicar ao Brasil, Deus também não deixou no desamparo. Em sua Previdência, deixou um padrão de amor no coração do homem – aí podem-se incluir todos os homens, até os ateus – cujo nome é vocação e que faz com que certos objetivos sejam honestamente desejados. A tal ponto isto é verdade que mesmo os que por alguma razão (por algum engano) queiram fazer o mal de maneira sistemática, só conseguirão fazê-lo com a regularidade e eficiência pretendidas caso pautem suas ações naquilo que lhes é naturalmente vocacional. Certa vez, disse para um amigo, teólogo, homem de vida santa: “Ouvi dizer que o Brasil é a terra de eleição do Anticristo, haja vista os governantes e lideranças intelectuais atéias que têm sido eleitas e seguidas pelo povo”. Ele respondeu: “Duvido. Até para fazer o mal a pessoa precisa ser metódica e disciplinada. No Brasil, o Anticristo daria ordens que não seriam cumpridas, dado o relaxamento do povo.”
A vocação tem isso de positivo: ela inclina o sujeito, por inteiro, ao amor de algo que ele próprio não sabe explicar o que é e muito menos provar ser coisa realizável. Por exemplo, contra todas as expectativas, o indivíduo dá um passo que o afasta daquilo que já deu certo em sua família e realiza algo muitíssimo acima do que seus parentes poderiam suspeitar. A quantidade de exemplos deste tipo de ocorrência é enorme. Santo Tomás de Aquino virou as costas a um futuro (material) brilhante e rico no dia em que seu coração se apaixonou pela graça de ser dominicano (ordem onde o voto de pobreza proibe possuir bens, daí o título aos desta ordem de “mendicantes”). Por anos teve de disputar na Universidade contra religiosos brilhantes e de prestígios, mestres, que eram visceralmente contra a idéia de mendicantes lecionarem. Santa Teresa de Ávila, não havia pessoa da nobreza, em idade de casamento, que não a cortejasse; mas a todos ela disse não por querer um só e único esposo, a quem ela chamava “Sua Majestade”. São Francisco era filho de comerciante rico. Santo Antão era filho de pais ricos, ficou rico quando eles morreram e de toda riqueza abriu mão. Santo Agostinho deixou emprego muitíssimo bem remunerado na corte, em Roma, por amor à verdade, que encontrou máxima (porque é mesmo) na fé católica. No mundo pagão os exemplos não são pequenos: Platão era novelista, com futuro promissor no ramo, tudo deixou pelo encanto da Filosofia. Aristóteles era de família de médicos e da segurança deste saber e trabalho abriu mão pelo amor à Filosofia. Sócrates abriu mão da própria vida por amor à verdade que conhecia.
Todas essas pessoas citadas viveram suas vidas em períodos conturbados da História. E parece ser uma regra que os homens vivem sempre às voltas com o desejo de felicidade e paz e a impossibilidade de fazê-las casarem-se. Provavelmente porque se o conseguissem, amariam tanto à felicidade da vida natural (que a Ética ensina como atingir) que deixariam de empenhar-se na felicidade última, à qual a Moral encaminha.
Neste vale de lágrimas, parece haver semelhança entre duas coisas que não são ciências: a vocação e a Moral. Uma ajuda o desenvolvimento da outra porque ambas, para adquirirem na alma do homem a força que precisam adquirir, desconhecem meios forçosos, científicos. A Ética, por ser ciência, é naturalmente forçosa, é disputativa. A Moral e a vocação não são disputativas; elas tornam o homem apto a ser disputativo, mas elas próprias não são disputativas. Por isso, ambas devem ser regadas desde a mais tenra infância, para que o terreno no qual elas serão o adubo e o sal, possa ver vicejar homens e mulheres não isentos de preocupações, dificuldades e problemas de toda ordem; mas, ainda assim, capazes de serem felizes e sóbrios porque conseguem ser justos com Deus e com o próximo, ao primeiro amando e adorando, ao segundo amando e servindo.
Joel Nunes dos Santos, em 02 de outubro de 2011.
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