É em sentido figurado que se aplica o nome “vocação” a algo distinto do homem. Quando se diz “a vocação de tal cidade, de tal empresa, etc.”, o sentido é figurado. O sentido é que tal lugar ou tal empresa é compatível com os que possuam tal ou qual tipo de vocação, como quando se fala que a vocação das cidades históricas de Minas Gerais é religioso-artística, em seguida do quê cita-se o Aleijadinho como um de seus mais notáveis representantes.
De maneira semelhante, cada ciência, relativa a um determinado campo de conhecimento, é restritiva: nela somente conseguem bons resultados aquelas pessoas com ela compatível.
Cada vocação tem seu objeto preferencial: a filosófica, a verdade; a científica, a solução prático-mecânica; a artística, a criação de presenças, e a interpersonalística, a unificação com a expectativa do outro. O que conduz à conclusão que a ciência é o resultado da aplicação pertinaz da vocação ao seu objeto, assim: a Medicina é resultado da ininterrupta aplicação do esforço de gerar saúde por parte dos vocacionados a esse propósito; a informática, o resultado da aplicação da persistente vontade de agilizar a realização de cálculos que, feitos a mão, demorariam infindavelmente.
Mas como diz o ditado, “o hábito do uso do cachimbo entorta a boca.” Quando alguém aplica a força de sua vocação ao objeto que não lhe corresponde em todos os pontos, o resultado poderá ser enormemente problemático. Verdade esta que vale para a pessoa individualmente considerada quanto para toda uma classe de indivíduos altamente qualificados intelectualmente. Porque quando ocorre de os intelectuais se enganarem, muitas vidas e almas se perdem.
Vivemos época em que isso ocorre, quando o inestimável valor da vida humana é negado de todas maneiras possíveis e imagináveis – esta negação começando no plano da ciência e repercutindo no plano da vida cotidiana, quando se vão criando leis que educam as novas gerações a aumentar a força do desprezo pela vida.
Recentemente (em termos históricos) deu-se este tipo de fenômeno e temos tido de conviver com suas indesejáveis consequências. Refiro-me ao problema criado pela Engenharia Genética, a nova ciência surgida alguns anos depois da explosão das duas bombas atômicas no Japão, em agosto de 1945. Eis como esta ciência surgiu – segundo me recordo da leitura de Bruce Wallace, “Biologia Social”, durante o período em que estava me graduando na PUC-SP. (Peço desculpas antecipadamente caso erre nos detalhes da exposição, pois não tenho a memória da Irmã Lúcia, e a tal leitura foi lá pelo ano de 1983 ou 1984). Os Estados Unidos acolheram a fina-flor dos cientistas oriundos de toda parte do mundo, desde antes da II Guerra. Durante esta Guerra, lá já estavam instalados Einstein e diversos outros de renome (como Werner Heisenberg e outros). Para lá também foi Enrico Fermi, às vezes dito o “pai da bomba atômica”: ele teve alguns problemas com Mussolini e a solução foi ir ao aeroporto que o conduziu aos EUA.
Na Europa as coisas estavam ruins e tendiam a piorar barbaramente: dizia-se que os cientistas de Hitler estavam a ponto de criar a “arma definitiva”, a bomba atômica. Para fazer face a este perigo, o judeu-alemão Einstein, na intenção um pacifista, usou (a petido das autoridades americanas) de seu prestígio para convencer seus pares a criarem esta arma letal, pois entendia que seria melhor na mão de americanos do que de alemães. E assim se fez, o resultado do empreendimento confirmando mais uma vez as palavras de São Paulo (Rom 7, 19) “Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero.” As duas bombas foram criadas (de prótons e de nêutrons) e lançadas nas duas cidades católicas do Japão, que nem eram alvos militares. Os físicos responsáveis pelo engenho resolveram dar uma olhada nos resultados e isso abalou profundamente suas almas, uns enlouquecendo, outros entregando-se ao álcool e outros arrependendo-se sinceramente. Foi o período onde se discutiu a fartar a questão da “neutralidade científica”, demonstrada impossível, o que só fez confirmar as palavras de Jesus : “Até os cabelos de vossa cabeça estão todos contados.” (Mat 10, 30). Também: “Quem não está comigo está contra mim; e quem não ajunta comigo, espalha.” (Mat 12, 30).
Os físicos, sinceramente arrependidos, afastaram-se da Física e migraram para a área da Biologia, de modo a encontrarem cura para os males que ajudaram a criar. E foi então que, do esforço combinado desses bons e arrependidos homens, surgiu uma nova ciência, a Engenharia Genética. E como não está nas mãos do homem o curso do acontecer histórico, mas nas de Deus, que não raro costuma escandalizar os sábios, um problema surgiu com esta ciência. A vocação própria da Física foi (e continua sendo) aplicada com toda força no domínio do que tem vida, isto é, no domínio da Biologia. E é tão certeiro e eficiente os métodos da Física que eles prevaleceram sobre o objeto daquela ciência. Ora, uma coisa é o biólogo, que vive tendo de exercitar a humildade com o objeto de sua ciência: não adianta querer impor ao sapo, aos cães, aos insetos essas ou aquelas condições, como se faz na Física. O objeto da Física, a constituição material dos entes sensíveis, admite a ação unilateral do cientista, pois tal objeto não se comunica, não dá informação sequer sobre si próprio. Diferentemente ocorre na Biologia: o cão reconhece o humor do seu tratador, e ora levanta e abana o rabo ou coloca-o entre as pernas. Numa palavra, nesta ciência, há diálogo, por mínimo que seja.
O físico, ao aplicar seu método ao objeto da Biologia, deixa de fora tudo que não interessa à Física. Daí ocorre de tais cientistas se aplicarem, por exemplo, ao estudo do embrião humano animado pelo espírito que aplicavam ao estudo os entes inanimados da ciência que abandonaram. Concluírem que o embrião humano é uma “coisa” como coisas são os entes que compõem o objeto da Fisica é um passo.
Um exemplo dos problemas daí derivados é o que vimos no julgamento feito pelo STF a respeito da permissão legal ou não de uso de “células tronco embrionárias”. Instruídos que foram os juízes por cientistas do tipo que falamos, não espanta que tenham concedido tal permissão.
Pois bem, como é possível solucionar este e outros problemas semelhantes, todos tendo em comum o desprezo pela dignidade da vida humana? Na verdade eu não sei a resposta a esta pergunta. Apenas sei que o Papa Bento XVI não se cansa de convidar a cada um de nós, católicos, a praticarmos a evangelização. Porém, fazê-lo não somente dando exemplo de vida católica mas também fazendo uso católico da cultura que cada um adquiriu ou seja apto a adquirir. Desse jeito, entendo eu, vai-se tornando cada vez mais possível falar para cientistas, assistentes sociais, especialistas de todo tipo da necessidade de resistirem à tentação de pretenderem ser “como deuses”. Pois sempre que o homem cai neste erro, muitas vidas e almas se perdem. E é difícil acontecer de o homem ter oportunidade de cair nesta tentação e deixá-la passar. Quem acompanhe o assunto da moda, “sustentabilidade” já deve ter notado que são investidas quantidades enormes de dinheiro com o propósito de “salvar o planeta” – isto sendo feito sem Deus e, inclusive, em oposição a Deus. Porque, para “salvar o planeta”, é necessário implementar controle populacional, ou seja, é necessário revogar o 5º., o 6º. e o 9º. mandamentos.
Tudo isso por causa da aplicação de vocação altamente cultivada a objetos que não lhe convêm.
Joel Nunes dos Santos, em 29 de outubro de 2011.
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