domingo, 4 de setembro de 2011

Vocação e Profissionalismo

É pertinente ao tema da vocação o conteúdo da Encíclica Caritas in Veritate, de Bento XVI. Sua vocação filosófico-artístico-magisterial aí se manifesta com tamanha exuberância que é difícil encontrar com quem compará-lo.

A caridade é o amor por Deus; a verdade, aquilo que “todos os homens, por natureza, desejam conhecer” mas que, não obstante, admite ser solenemente ignorada. Pilatos, com a Verdade na frente dele, pergunta “o que é a verdade?” A atitude de Maria, ao contrário, foi oposta: ao perceber o Verbo nela encarnar-se, ficou-lhe evidente que Deus deu-Se a conhecer por ela mais do que por qualquer outra criatura.

O amor de caridade prolonga-se no amor ao próximo, pois só é possível amar o que é conhecido. Mas para o homem conhecer verdadeiramente algo, tem fazê-lo “em espírito e em verdade”, isto é, dando o assentimento intelectual e confirmando este assentimento com a obediência. Noutras palavras, para o homem conhecer verdadeiramente algo, tem de conhecer com os sentidos e com o intelecto, nesta ordem. Por isso, a caridade (amor a Deus) é superior ao amor (amor pela criatura); mas para chegar a ela, é preciso primeiro amar ao próximo (que é criatura). E é tão importante isso que um filósofo muito prestigiado se enganou, atribuindo ao homem o que é verdadeiro somente para o anjo, quando disse “Penso, logo existo”. Para o anjo, que não possui corpo, o pensar é suficiente para concluir que existe, porque pensar é a primeira coisa que ele faz; para o homem, que possui corpo, só pensar não é suficiente, inclusive porque pensar é das últimas coisas que ele faz.

Pois bem, o amor de caridade não é amor no sentido afetivo; não é aquele tipo de amor que se manifesta por meio de comoções físicas. Se é possível comparar o amor no sentido afetivo com condutas emocionais, o amor de caridade é comparável à conduta inteligente, sóbria, cheia de humildade, destemor e apegada à verdade. Por isso, o amor de caridade eleva a pessoa acima de suas preferências subjetivas e pessoais. Com amor de caridade, sou capaz de dar toda ajuda possível a uma pessoa que me é francamente hostil, ingrata, etc., o que não conseguiria fazer baseado em amor de tipo sentimental.

Na citada Encíclica, que soa a meus olhos como uma majestosa explicação de como manter unidas a caridade e a verdade, lemos: “Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre.” E também: “São necessárias tanto a preparação profissional como a coerência moral.”

A experiência de investigação da vocação alheia inclina-me a entender que o projeto de Deus para cada pessoa inscreve-se em sua vida sob a forma de vocação. Porque na lide com pessoas ricas ou pobres, percebi um denominador comum: a medida da felicidade é dada pela maior ou menor proximidade da vida em relação à vocação. Se a pessoa é rica mas sua vida não está organizada de modo a atender ao que nela é vocacional, então ela não é feliz, o mesmo valendo para a pessoa que é pobre.

Creio que isto é assim porque é visível a absorção da pessoa por aquilo que é conatural com sua vocação, a tal ponto que mesmo estando pressionada por dificuldades materiais (falta de dinheiro, traição de sócio, desempregada), no momento desta absorção desaparecem as considerações de natureza econômica, jurídica, financeira. Nessa hora, a sobriedade da pessoa atinge certo ótimo que ela se eleva acima das mais humanas paixões: mesmo tendo razão para irar-se e sendo psicologicamente justificável que ela pense em vingança, tais possibilidades por momentos se afastam de sua alma. Isto é assim porque, para que se dêem a preparação profissional e a coerência moral na pessoa, de modo que ela se torne apta a agir eficientemente – com a semelhança do amor de caridade – convém que tais hábitos sejam ancorados na vocação, uma vez que ela é, na vida natural, o princípio da capacidade de amar e também de conhecer; porque nela o amor transforma em unidade o sentir, o querer e o conhecer.

Deve-se ter sempre em mente que a moral incide sobre as intenções. A educação moral é a educação da intencionalidade do homem, processo que deve iniciar na infância, dentro da casa e sob orientação da Igreja. A intenção, por sua vez, se firma mais facilmente quando ela é alimentada por objetos convenientes. Para cada pessoa, o objeto conveniente, e que é ao mesmo tempo atraente, é o que for conatural com sua vocação, do que resulta que, em primeira instância, para a boa preparação profissional de alguém, deve-se levar em conta qual é sua vocação e qual seu objeto preferencial.

Assim fazendo, consegue-se otimizar a realização do que o Papa Bento XVI ensina na citada Encíclica: a “[adequada] preparação profissional como a coerência moral”.

Joel Nunes dos Santos, em 03 de setembro de 2011.


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