domingo, 21 de agosto de 2011

A vocação para adorar e servir a Deus

Os tempos que correm não estão fáceis. A progressiva retirada do culto a Deus da vida pública vai impedindo um número cada vez maior de pessoas de atenderem à vocação humana primeira e fundamental, que é adorá-Lo e amá-Lo sobre todas as coisas.

É possível observar que na maneira como Deus fez o homem já se manifesta a força do primeiro mandamento que deu ao homem, o qual corresponde à vocação primeira do homem, que é conhecer e amar Aquele que o criou. Deus fez o homem dotado de inteligência imaterial, capaz de realizar operações independentes do corpo e, em resultado, conhecer coisas imateriais que, por definição, estão fora do tempo e do espaço. O homem, por sua inteligência natural, é capaz de captar parte do pensamento de Deus olhando para sua própria inteligência e as conclusões a que ela chega. Por exemplo, o homem é capaz de observar-se pensando no triângulo e no círculo; ao fazê-lo, compreende que se é triângulo não é círculo e vice-versa, se é círculo não é triângulo; então conclui que não é possível existir um triângulo redondo ou um círculo triangular. E como sua inteligência não é capaz de pensar no triângulo redondo ou no círculo triangular, pois são figuras impossíveis, conclui: é impossível haver tais figuras e não há e nunca haverá no universo inteiro algum ente que lhes corresponda. Isto porque a mesma lei que rege a inteligência rege também o cosmos, daí o adágio: “Se é impossível pensar, então é impossível existir”.

Ora, quem criou a lei que impede uma coisa de confundir-se, no ser, com outra, foi o próprio Deus. E este mesmo Deus deixou impresso na alma do homem o desejo de conhecê-Lo. Mesmo quando acontece de algum homem rejeitar Deus, como fazem os ateus, ainda assim sua inteligência “acende” quando constata a presença de uma outra superior à sua, não somente em saber quanto em poder. É como se Deus tivesse impresso uma espécie de “instinto espiritual” no homem – não me ocorre outra maneira de dizê-lo – que desencadeia nele o impulso de sacrificar-se (e em muitos casos, aos demais) a essa superior inteligência. Por exemplo, o ateu marxista considera atitude superior sacrificar fazer sacrificar os dominadores e poderosos em favor dos dominados – claro, desde que ele, de preferência, se mantenha na posição de determinar quem é um e quem é outro. Ele adora a História (ou o que pensa que ela é), crendo que ela no futuro lhe fará justiça, justificando-lhe eventuais crimes e imoralidades praticadas. O impulso da inteligência do homem, portanto, é de avançar para Deus, cultuá-Lo e amá-Lo. Mas Deus, em sua infinita bondade, dotou o homem da liberdade de não querê-Lo, podendo, caso queira, sucumbir à idolatria, ao culto de tudo menos dEle.


Esta submissão do homem à inteligência e poder superiores sempre se verificou e sempre se verificará. Justamente por isso chegou-se ao tempo em que o próprio Deus se fez homem para ensinar aos homens sobre as coisas fundamentais de Deus para que o homem dEle não se desviasse. Mas aqui pulei um pouco etapas do raciocínio. Corrijo logo a seguir este descuido.

Sendo a inteligência do homem imaterial, ela é capaz de reconhecer a existência de qualquer outra inteligência que exista, inferior ou superior. Por isso o homem é capaz de estabelecer (ou pretender estabelecer) relação com uma e outra. Vejamos um exemplo universal desta afirmação, retirado aos gregos, povo do qual herdamos a Filosofia, que a Igreja usou (e usa) como instrumento de transmissão intelectual da fé que custodia.

Para os gregos era coisa tranqüila admitir que “onde se verifique regularidade ou ordem, é porque lá há inteligência”. Olhando para o céu, observaram que alguns corpos se movem com regularidade e dentro de uma ordem conhecível e previsível. Compreenderam que tais corpos, que se deslocam dentro de um plano específico (daí passarem a ser chamados de “planetas”), o fazem porque alguma inteligência lhes determina o percurso; a essa mesma inteligência, soma-se poder suficiente para mantê-los dentro do esquema pré-definido. Por trás de tais corpos agia, conforme era o pensamento grego, “substâncias separadas”, isto é, criaturas imateriais, poderosíssimas, dotadas de inteligência e vontade. Sendo tais substâncias separadas mais inteligentes e poderosas do que toda a espécie humana, logo o espírito do homem a elas começou a render-se: deram-lhe nomes e passaram a adorá-los e cultuá-los. A um chamaram Vênus, a outra Marte, a outra Saturno, a outra Apolo...

Pela perspectiva natural é compreensível esta atitude: sendo imaterial a inteligência do homem, ela é capaz de captar a presença de outra superior, tanto em saber quanto em poder. Ora, é elementar compreender que se há criatura poderosa, com inteligência superior, etc., é melhor ficar amigo dela do que inimigo. E para não ficar parecendo que os gregos assim agiam porque seriam estúpidos, vale a pena apontar que o mesmo raciocínio se aplica aos milagres que a Igreja comprova: quando Nossa Senhora estampou a própria imagem na tilma (manto) do índio Diego, naturalmente que o fez para deixar claro que, sendo capaz disto, muito mais será de fazer outras coisas, por exemplo, conduzir os que nela acreditarem a Seu Filho, Nosso Senhor e Salvador. Claro que Nossa Senhora não provoca medo em ninguém, como por certo provocaram as “substâncias separadas” por trás dos planetas dos gregos. Mas descontando isso, o raciocínio se conserva aceitável: num caso quanto noutro, o homem fica confrontado com inteligência e poder superiores. A atitude sensata é servi-lo para tê-lo ao próprio favor.

Para que o homem não se enganasse mais nessas coisas, Deus, que sabe exatamente como fez o homem, e conhece a limitação de sua livre inteligência, decidiu fazer-se um de nós (exceto no pecado) para deixar claro: só se adora a Deus, o culto de dulia (aos santos) e hiperdulia (a Nossa Senhora) são caminhos que a Ele conduz. Mas Jesus, que é Deus, sabia disso (o que nem os gregos ou nenhum outro homem ou civilização sequer supuseram) não porque era também homem, mas porque Ele é Deus. Porque o homem não possui meios de distinguir um anjo de outro ou mesmo o anjo de Deus.

Sabendo Deus que a inteligência do homem é como é, criou um plano regenerador e salvífico adaptado a ele. Ele sabe que ocultando-Se demasiadamente do homem, este, por força de sua própria inteligência, cairá na idolatria, isto é, adorará alguma criatura poderosa, superior em conhecimento e poder, deixando então de adorá-Lo. Por isso, depois que Ele se fez homem, nunca mais deixou esta condição, de Deus e Homem ao mesmo tempo. Garantiu que continuaria presente e encarregou Sua Igreja de deixar o homem a par disso, como quem dissesse: “Eu estou presente em corpo, sangue alma e divindade na Eucaristia. Mesmo que seus sentidos não o percebam, porque Eu sou mais do que seus sentidos podem perceber, nela PERMANEÇO fisicamente PRESENTE.”

Os gregos, porque são anteriores ao Deus-feito-Homem, adoravam a deuses. Mas os seus representantes intelectuais, os filósofos desacreditaram os tais deuses, como que preparando o homem e sua cultura para entenderem o que iria acontecer séculos depois. E aconteceu. E o homem não mais pôde ter desculpa de não adorar a Deus, porque lhe foram dados os meios de distinguir entre homens, anjos e Deus.

Vivemos agora num tempo em que os homens, CONSCIENTEMENTE, rejeitam a Deus e adoram “deuses”, como o dinheiro, a carreira, os prazeres, a liberdade que se confunde com capricho, etc. Esta rejeição de Deus, que em muitos casos nem se trata de ateísmo, mas de rejeição direta de Deus, vai imergindo um número cada vez maior de pessoas numa idolatria tão culposa que é dificílimo imaginar a intensidade de coisas ruins que a humanidade ainda presenciará como conseqüência de tamanha insensatez. Porque só os anjos decaídos, os demônios, com pleno conhecimento de causa, aceitam ser adorados em lugar de Deus. Eles sabem que terríveis conseqüências a idolatria provoca. Os homens de hoje em dia, a juventude atual, vem sendo conduzida a ignorar praticamente tudo desse assunto.

Há conhecimento de causa nisto que digo. Atualmente, tento explicar para aproximadamente 120 alunos de curso superior, o que dei o título de “a base cognitiva da religião”. O raciocínio é simples: o homem, dotado que é de inteligência imaterial (o que expliquei aos tais alunos com fartura de exemplos), é naturalmente atraído para o que lhe é superior em inteligência e poder. Tão logo encontre tal coisa, pelos mais diversos motivos, prostra-se em adoração e servidão. Por isso, o homem se envolve “religiosamente” com o futebol, com o desejo de “servir à História”, etc. E como é possível saber que a atitude, aí, imita a religião? Porque sempre que se trata de religião, existe sacrifício. Ao se envolver com os “deuses” da atualidade, sacrifica-se a família, o trabalho, a moral, a decência e assim por diante. Um dos exemplos desta “adoração inconsciente a deuses” que dei foi a excessiva valorização da Economia: em nome dela muitos aceitam abortar crianças indefesas, aceitam descrer da Providência e, podendo, evitam ter filhos; a Justiça impõe que o pai pague pensão mas não exige que ele desempenhe real e concretamente o papel de pai, de que a criança precisa muito mais do que do dinheiro estipulado por lei; e assim por diante. É a adoração atual ao deus Moloch, ao qual no passado sacrificavam-se crianças.

A dificuldade para os alunos entenderem este simples raciocínio é enorme, fazendo-me crer que a maioria terminará o semestre sem fazer a menor idéia do que estou falando. E isso é assim porque trata-se de geração criada e educada sob a mentalidade de que Deus é coisa do passado e para pessoas de cabeças fracas. O que leva à triste suspeita de que tais jovens poderão viver a vida (ou grande parte dela) sem terem a menor notícia de que a primeira vocação do homem é a que o impele a conhecer e amar ao próprio Criador, o qual é o mesmo que era no passado, no presente e o será pelos séculos dos séculos, amém.

Que Deus tenha piedade de todos nós e nos dê a graça de mantermos a fé mesmo quando o mundo eventualmente estiver maximamente afastado dEle. Que não nos cansemos de repetir “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam.”

Joel Nunes dos Santos, em 20 de agosto de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...