domingo, 17 de julho de 2011

A Vocação e o Bonsai

Algo que sempre me chamou a atenção, ao longo de mais de três décadas de convívio com japoneses, é seu carinho e paciência para cuidar de árvores e plantas. A criação de bonsai é, das artes japonesas de que tive notícia, a que mais me impressionou. É arte que resulta do corte criterioso da raiz da árvore.


Anos depois de impressionar-me com esta arte, ouvi uma palestra de um inspirado professor católico, versado em Santo Tomás de Aquino. Explicou (não com essas exatas palavras) que, segundo este santo teólogo, “cada homem que vai para o inferno comete crime de lesa majestade, o qual crime consiste em manter como posse exclusiva o que pertence a toda comunidade dos homens. Porque, ao ir para o inferno, o homem priva aquele que foi para o céu de conhecer algo de que teria ciência preferentemente através daquele que se perdeu. Pois cada homem é criatura singular e irrepetível, e através de cada um Deus manifesta algo de Si, de seu poder, sabedoria e amor. E o conhecimento deste patrimônio que cada homem é apto a manifestar não pertence ao que manifesta, mas a todos.” Esta singularidade de cada um, Santa Teresinha intuiu e compreendeu com clareza, tanto que escreveu (p. 138 de sua autobiografia): “Compreendi que a verdadeira grandeza reside na alma, não no nome, porque no dizer de Isaías: ‘O Senhor dará OUTRO NOME aos seus eleitos’. E São João também o diz: ‘O vencedor receberá uma pedrinha branca, na qual está escrito um NOME NOVO, só conhecido por quem o recebe’. Só no Céu, portanto, saberemos quais são nossos títulos de nobreza. Então, cada qual receberá de Deus o louvor que merece...”


Prossigo então tratando sobre o bonsai, que me impressionou por parecer a mim um retrato, no plano da Biologia, do que é a educação e adequado cultivo da vocação natural no plano da Pedagogia.


Não sei dizer se a expressão “criação de bonsai” está correta. De qualquer maneira, digo do que se trata: é o cultivo de árvores pequenas e exuberantes, com uns setenta ou oitenta centímetros de altura, que provocam a impressão de serem imensas em virtude da majestade que exibem. Há arvorezinhas com trinta, quarenta e até mais anos. Só mesmo a combinação de uma grande quantidade de carinho, paciência e delicadeza de espírito para gerar arte assim.

O artista, o cultivador (ou criador) de bonsai, tem de conseguir captar o estilo, a singularidade da árvore, para fazer manifestar-se a beleza que só aquela árvore pode manifestar. Não há duas iguais e todas são singularmente bonitas e majestosas.

A dificuldade da tarefa é imensa, já que vegetal não fala, mas apenas está lá; não dá nenhuma informação ativa nem sobre si nem sobre nada do meio. O que a árvore é e o que lhe convém tem de ser captado ou deduzido pelo artista que dela cuida.

A comparação do bonsai com a pessoa humana é coisa praticamente imediata. Pois dá para substituir por pessoa a palavra árvore da frase acima: “...captar o estilo, a singularidade da pessoa, para fazer manifestar-se a beleza que só aquela pessoa pode manifestar. Não há duas iguais e todas são singularmente bonitas e majestosas.”

O bonsai é a árvore que exibe seu grau máximo de beleza, exuberância e majestade, dentro dos pequenos limites que são os seus sessenta ou oitenta centímetros de comprimento. Mas não é também isto que uma criança é? Ou mesmo um adolescente, ou adulto? Quando dizemos que “Fulano é um gigante” não é porque ele meça três, cinco, ou dez metros de altura, mas porque ele manifesta um certo máximo que ele poderia ser – ele manifesta o resultado do fornecimento à sua vocação do aporte cultural adequado, aporte este efetivado sob a forma de carinho e atenção e apoio familiares, adequada instrução escolar e justa recompensa sob a forma de adequada remuneração de seu empenho profissional.

Não dizemos “gigante” ao nos referirmos ao espirituoso ascensorista, ao simpático garçom, ao educado gari, à encantadora e alegre criança, à zelosa vovozinha e a toda miríade de encantos vivos que são cada pessoa de boa vontade que encontramos pelo caminho? Não há termo específico para a elas nos referirmos. Mas indiscutivelmente sentimos em nossa alma atração e encantamento por essas pessoas, do mesmo modo que os “gigantes” pela ciência, arte e demais coisas que alguns vocacionados exibem atraem até eles o apreço das multidões e gerações que se sucedem no tempo. Na presença daqueles outros “gigantes”, em nosso espírito logo surge a idéia de que “se não fosse gari, seria um excelente profissional liberal; quando crescer, continuando assim, será um grande artista; se vovozinha fosse mais jovem e quisesse seguir alguma carreira profissional, seria a melhor mestre de cerimônia do mundo...”, e assim com cada caso.

Nenhum desses valores e virtudes se afirma espontaneamente, sem algum cuidado inteligente, verdade que vale para as arvorezinhas, os bonsai, e também para o ser humano. Pois, de certa maneira, pode-se dizer que o criador de bonsai amplifica a vocação da árvore à beleza que lhe é própria; do mesmo modo que as pessoas e instituições encarregadas da educação do homem amplificam as vocações de cada um, todas diferentes umas das outras, porém, belas, majestosas, encantadoras.

Não há bonsai sem corte de raízes da arvorezinha; não há artista, filósofo ou cientista sem cuidado educacional, sem o “corte das raízes” puramente instintivas do ser humano que, deixadas à própria sorte, aderem ao mal e ao ruim e, com o tempo, depõem com suas ações, contra a mais superior das criaturas materiais que Deus criou.

Joel Nunes dos Santos, 16 de julho de 2011.

NOTA: Este artigo é o mesmo que publiquei em fevereiro de 2006 na universidade onde trabalhei por alguns anos como orientador vocacional, com a diferença da inclusão que ora fiz de elementos teológicos. Naquela ocasião, não pude fazê-lo pois a referida instituição censurava artigos que contivessem conteúdo político ou religioso católico.

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