domingo, 3 de julho de 2011

A vocação de Santa Teresinha e de Irmã Lúcia

O contraste acentua as características individualizantes das coisas, princípio que vale também quando queremos distinguir com nitidez características de personalidade das pessoas. Pensando nisso, é proveitoso colocar lado a lado santos diversos, uma vez que, por alguma razão queiramos conhecer as características de personalidade de algum deles. Claro que para a devoção ao santo nada disso é necessário. Mas se queremos ficar maravilhados pelo conhecimento das grandezas que Deus mostra através deles, então o procedimento é útil. Coloquemos então lado a lado duas santas que, crianças ainda, tiveram a graça de ver Nossa Senhora, Santa Teresinha e Irmã Lúcia.

De ambas possuímos escritos que tratam de suas vidas quando ainda crianças. E que chama a atenção nos escritos de uma e de outra? Quando lemos Santa Teresinha, a imaginação é arremessada a um mundo cuja beleza se parece com um jardim florido. É um mundo colorido, onde até ouvimos palavras, mas estas soam a nossos ouvidos imaginários como chilreios de passarinhos, a ponto de não ser óbvio para todo leitor o enorme manancial de sabedoria contido nesta ou naquela frase. Veja esta frase da Santa Flor: “Com uma índole como a minha, se fosse criada por pais carentes de virtude, ou até se fosse como Celina mimada por Luísa, ter-me-ia tornado bem maldosa e talvez me tivesse perdido...”. Não vou repetir aqui o que já disse em outro artigo, sobre a relação entre vocação e família que está subentendida nessas palavras. Como tudo que é dito sob forma artística – e esta é a característica dos seus escritos – admite uma pluralidade de interpretações, muitas igualmente válidas, pois a linguagem poética é eminentemente analógica e fala antes a coração do que ao intelecto.

A impressão que os escritos de Irmã Lúcia provoca é algo bem diferente. Dos seus escritos nos recordamos de frases, de enxutas descrições, onde não se destaca do texto que a paisagem tenha cor, mas somente a verdade do que aconteceu, o que tal ou qual pessoa fez ou disse. Aqui estamos diante de algo que é tão concreto quanto são concretas as coisas da ciência. Esta tem como característica a limitação de si ao mínimo necessário capaz de fazer com que algo seja e, assim, possa ser replicado. Porque em ciência, experimenta-se muito e especula-se pouco. A maneira como procede a mente de Irmã Lúcia é ilustrativa desta maneira de ser – sua mente procede como a de pessoa dotada de vocação fundamentalmente científica.

Irmã Lúcia é de uma objetividade invejável. Ela pouco especula, mas obedece sempre, e não se acanha de usar a expressão “não sei”. Porque para ela é isto: ou sei ou não sei, tanto que ao perscrutar a própria alma, deixa isso claro. Por exemplo, em obediência à ordem do Bispo de Leiria, Dom José Alves Correia da Silva, passou a escrevesr suas memórias, começando por redigir “Tudo o que sabia da vida da Jacinta”, conforme os termos desta mesma ordem. Assim fez e de maneira magistral, e é deste escrito que retiro algumas passagens.

Escrevendo suas memórias a respeito de Jacinta (Irmã Lúcia, “O Segredo de Fátima”, Ed. Loyola, 1974, p. 5), refere: “Não sei porquê, a Jacinta, com seu irmãozinho Francisco, tinham por mim uma predileção especial, e buscavam-me, quase sempre, para brincar,” dando a ver que sua imaginação é contida, pouco ávida do que compraz aos de vocação artística, como é a de Santa Teresinha, a meu ver uma Santa Flor do jardim dos santos de Deus. Prossigamos com Irmã Lúcia. Ela, no subtítulo “Ai que Senhora tão bonita!” (p. 12), escreve:

“Eis aqui, Exmo. e Revmo. Senhor Bispo, um pouco mais ou menos, como se passaram os sete anos, que tinha a Jacinta, quando apareceu belo e risonho, como tantos outros o dia 13 de Maio de 1917. Escolhemos nesse dia, por acaso, se é que nos designos da Providência há acasos, para pastagem de nosso rebanho, a propriedade pertencente a meus pais, chamada Cova da Iria. Determinamos, como de costume, qual a passagem do dia, junto do Barreiro de que já falei a V. Exa. Revma., e tivemos, por isso, que atravessar a charneca, o que nos tornou o caminho dobradamente longe. Tivemos, por isso, que ir devagar, para que as ovelhinhas fossem pastando pelo caminho; e, assim chegamos cerca do meio-dia. Não me detenho agora a contar o que se passou nesse dia, porque V. Exa. Revma. já sabe tudo, e seria perder tempo; como a perde-lo me parece, a não ser por estar a obedecer, todo o que levo a escrever isto, pois não vejo que utilidade V. Exa. Revma. possa tirar daqui, a não ser o conhecimento da inocência da vida desta alma.”

O mesmo motivo se manifesta (p. 146) quando ela descreve os acontecimentos do dia 13 de Setembro de 1917 (Quinta aparição), onde multidão de pessoas pisam e se ajoelham no barro, lembrando passagem do Evangelho quando pobres, famintos, doentes, seguem a Jesus. Ela entende que esta descrição é desvio inútil do que havia de principal a escrever. Diz: “Bem; mas isto não era nada chamado para aqui! Foi mais uma distracção da pena, que me escapou para onde eu não queria. Paciência! Mais uma coisa inútil; não a tiro para não inutilizar o caderno.”
Nisto, como nas demais coisas, Irmã Lúcia manifesta imaginação contida, atuando no mais das vezes sob o caráter de “memorativa” e não de “combinatória”, como é próprio dar-se com os de vocação artística. Pois “memorar” ou “recordar”, “lembrar”, é trazer à consciência o retrato do que passou; “combinar” essas mesmas recordações é a elas impor um caráter artístico, um espírito de criação. Por isso a linguagem do poeta, do artista, admite tantos e tão variados sentidos, ainda que verdadeiros, o oposto do que ocorre com a linguagem do cientista ou do vocacionado à ciência. Com este, a linguagem é precisa.

Nisto vemos a sabedoria da Providência, e mais um fato que atesta a verdadeira sabedoria que consiste em denominar Maria “Rainha da Sabedoria”. Imagine-se quanta ambigüidade haveria nas revelações de Fátima caso a criatura por ela escolhida para transmití-la fosse alguém diferente de Irmã Lúcia! Se fosse uma criatura despojada da descomunal memória desta Irmã, cujos escritos sobre os acontecimentos se deram mais de 20 anos depois dos fatos e ela se recordava de nomes de lugares, de pessoas, errando pouquíssimo e geralmente em detalhes periféricos (por exemplo, quando menciona Jacinta ter 9 anos quando, na passagem que relata, o correto seria 10 anos).

Do mesmo modo que a santidade de Santa Teresinha do Menino Jesus soa, a meu ver, como um lembrete do que o Santo Padre o Papa Bento XVI recordou, da relação entre vocação e família, a santidade de Irmã Lúcia demonstra o valor supremo da obediência – que é a expressão material da fé e, na verdade, seu mais verdadeiro sinal. Ela obedecia sem entender, como se vê nas passagens citadas e noutras que poderiam sê-lo, com sua vida exemplificando que ninguém pode impor esta ou aquela condição à Igreja, que só a obedecerá caso “a linguagem não seja ambígua”, “caso o Concílio seja dogmático e não pastoral”, etc. Tem-se de obedecê-la apenas por isto: porque ela, a Igreja, diz que as coisas são isso ou aquilo. Não é fato que vemos pão e vinho e a Igreja manda crer que lá está Nosso Senhor, em corpo, sangue, alma e divindade? De modo que a vocação da santidade de Irmã Lúcia é ensinar a obediência à Igreja independentemente desta ou daquela opinião que possamos ter sobre o que a Igreja manda crer. Ela, a Igreja, não erra -- po–m, podemos ser tardos em compreender e enxergar seu acerto.

Tomar por exemplo Irmã Lúcia e a santidade de sua vida é aceitar obedecer à Igreja, igualzinho fez Santo Inácio de Loyola antes de começar o seu apostolado: jurou em primeiro lugar e sempre obedecer à Igreja e fazê-lo sem condições de qualquer tipo.



O contraste da vocação artística da Santa Flor com a científica de Irmã Lúcia ressalta a maravilha que é a ação de Deus, que faz maravilhas naquele a quem escolhe.

Joel Nunes dos Santos, 30 de junho de 2011.

Um comentário:

  1. quero dizer meu sim como disseram Santa Teresinha e irmã Lúcia.

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