Desta santa sou devoto, e devoto com dívida, pois na necessidade o coração implora tudo. Uma vez atendido, não se cansa de encontrar dificuldades para pagar promessa de retribuição, sempre julgando justas as razões do atraso. O que espero começar a compensar agora, cumprindo o que prometi: falar a verdade, isto é, falar bem desta Santa Flor, de modo a ajudar a granjear-lhe devotos, para o bem dos próprios devotos.
Há alguns anos fiz-lhe novena, nem sei se atendendo a todas as exigências que tal procedimento requer. Mas mesmo assim a Santa Flor houve por bem colorir o carro de meu filho com pétalas de flores, como a indicar que a graça que pedi seria atendida. E foi. Meu trabalho é esta graça.
No carisma de santidade desta flor do jardim de Deus está incluído o dom de “avisar” (não sei se me expresso bem) aos que a ela recorrem que a graça pedida foi atendida, para tanto a pessoa recebendo flor como sinal. Foi assim que ela me avisou: depois que fiz a novena, coloriu o carro do meu filho com pétalas de flores, cujo nome da espécie não sei dizer; e este colorimento do carro com pétalas de flores nunca tinha ocorrido nem ocorreu depois desta ocasião, de modo que ficou gravado no meu coração tratar-se de graça por sua intercessão.
Vale dizer que a graça recebida foi um remediar de situação a meu ver sem solução visível, considerando-se apenas os recursos humanos disponíveis. Também é digno de nota a ocorrência recente de eventos deveras preocupantes que quase me impediram ter o coração suficientemente livre para começar a escrever a série de artigos sobre a vocação desta santa que é, rigorosamente falando, uma linda e meiga flor no jardim de Deus. Por isso ficou-me a impressão de que escrever este artigo é mais uma graça de Deus, ainda mais considerando que meu conhecimento da biografia desta Santa Flor não é lá essas coisas. Mas creio que é o suficiente para fundamentar bem minha hipótese de qual seja sua vocação natural.
(Para este artigo e outros que seguirão, sobre o mesmo artigo, uso a 23ª ed. de “História de uma alma”, 2003, ed. Paulus.)
Relendo o escrito autobiográfico de Santa Teresinha, fiquei tão profundamente comovido com suas tantas e profundas expressões de amor pelo seu pai, sua mãe, irmãs, que logo minha imaginação posicionou-se assim: “E se as partes deste escrito em que a santa faz constar depoimentos de sua mãe sobre ela fossem correspondência de u’a mãe interessada em conhecer qual a vocação natural de sua filha?” Criei no meu imaginário uma situação que faz parte constante de minha vida profissional, a qual é o esforço de responder à pergunta “Qual é a vocação de meu/minha filho(o) e qual profissão ou ofício lhe convém?”. Que o leitor perdoe o atrevimento de eu aplicar à Santa Flor procedimento analítico que uso para o conhecimento de pessoas comuns e não raro absolutamente desinteressadas em viver vida santa. Mas este é o pouco que possuo, e o dou de coração.
Na página 39 da citada autobiografia a Santa Flor escreve:
“Com uma índole como a minha, se fosse criada por pais carentes de virtude, ou até se fosse como Celina [sua irmã] mimada por Luísa [empregada da casa], ter-me-ia tornado bem maldosa e talvez me tivesse perdido...”. Prossegue, falando de si em terceira pessoa: “Mas Jesus olhava pela sua noivinha. Quis que tudo redundasse para o bem dela. Seus próprios defeitos, refreados a tempo, serviram-lhe para crescer na perfeição... Tendo amor-próprio e também amor do bem, tão logo comecei a pensar seriamente (o que fiz desde pequenina) bastava dizerem-me que alguma coisa não ficava bem, para que não precisasse ouvi-lo dizer duas vezes. (“...”). Não tendo em redor de mim senão bons exemplos, era natural que os quisesse seguir.”
“Tal coisa não fica bem”... Esta frase me fez refletir sobre qual sentido ela assumiria conforme procedesse de coração vocacionado a uma das quatro vocações natrais principais. Raciocinei: “Tal coisa não fica bem porque...”:
1) está errada no sentido em que não está bem explicada, em cujo caso tratar-se-ia de vocação filosófica;
2) está errada porque as demais pessoas, virtuosas, a desaprovam, o que é próprio de vocação interpersonalística;
3) está errada no sentido em que não foi bem executada, objeção própria dos de vocação científica;
4) está errada por ser feia, desconjuntada, des-embelezada, consideração própria dos de vocação artística.
Na intenção da Santa Flor, creio que dá para entender a expressão “Tal coisa não fica bem” porque é coisa feia, tão feia quanto seria uma erva daninha no jardim que ela tivesse arado e plantado! Isto porque sua vocação natural é artística. Santo Tomás de Aquino, excelência da vocação filosófica, criança ainda colocava-se a pergunta “Que é Deus?”, requerendo resposta de caráter explicativo e não estético, como as diversas referências do texto autobiográfico da santinha parecem atestar. Pois é visível que a maneira como a Santa Flor se expressa é permanentemente analógica, própria de pessoa dotada de alma poética, artística.
Em abono a esta hipótese, cito de passagem o fato de ela freqüentemente usar figuras de linguagem que mantêm a analogia da expressão com os dados dos sentidos (principalmente com a vista e, secundariamente, com o olfato) e não outras que poderiam ser analogadas com as operações do intelecto, procedimento permanente em Santo Tomás de Aquino e em Santa Tereza de Ávila, para citar dois exemplos. Ela diz (p. 44) “Sinto ainda as profundas e péticas impressões que me nasciam na alma à vista dos trigais esmaltados de centáureas e flores campestres”, imagem que se multiplica de diversas maneiras no seu texto, sempre fundada no dom da visão.
Vale citar parte do conteúdo da carta de sua mãe, que a compara à sua irmã Celina:
“Minha Celininha é toda propensa à vitrtude, é o íntimo sentimento de seu ser; possui uma alma cândida e tem horror ao mal. Quanto ao pequeno azougue [a Santa Flor], não se sabe lá o que vai dar, é tão pequeno, é tão inquieto! É de uma inteligência superior à de Celina, mas bem menos acomodada e sobretudo de uma obstinação quase invencível. Quando diz ‘não’, nada pode fazê-la voltar atrás. Se a metessem o dia inteiro no porão, ali faria a dormir antes que dissesse ‘sim’...”. Ora, este tipo de atitude, teimosa, é comum em crianças com vocação de base artística: quando constroem um quadro imaginativo, sofrem mas não abrem mão de um detalhe sequer.
Prosseguirei na anotação de evidências que fundamentam a convicção de ser artística a vocação natural da Santa Flor.
Joel Nunes dos Santos, em 18 de junho de 2011.
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