domingo, 5 de junho de 2011

Vocação e Mistagogia

Mistagogia é o ensino do sentido dos mistérios que Jesus encarregou a Igreja de ensinar, para tanto fazendo uso da linguagem articulada, de símbolos (como as vestes do sacerdote, cujas cores variam de acordo com o tempo litúrgico), de objetos diversos e assim por diante.


“A Igreja cresce por atração e não por marketing”, esclareceu o Papa Bento XVI. A ação do Espírito Santo é como o vento, como o fogo, como todas aquelas coisas existência conhecemos, mas que não conseguimos descrever com total precisão, dado que seus contornos não são nítidos o suficiente para permitirem expressões definitivas.


O símbolo copia esta semelhança, de modo que provocam (ou podem provocar) em nossa alma e na nossa inteligência profundas repercussões. Por exemplo, quando o sacerdote esclarece que a mesa onde se consagra o pão e o vinho é o próprio Cristo, razão porque o sacerdote a beija, nossa alma e inteligência são arrebatadas por vastas impressões que procuram desvendar o santo mistério da Encarnação. Pois se a mesa é Cristo e ao mesmo tempo é nela que Deus se faz corpo sensível, estamos diante de algo que aponta ao mistério de Deus-feito-Homem, dAquele que sempre que é dividido é negado. Por exemplo, verbalmente os protestantes dizem que Jesus é Deus; na prática, comportam-se como se Jesus fosse apenas homem, apenas o “intermediário entre Deus e os homens”. Não há jeito de fazê-los ver que Jesus é homem é e Deus, homem verdadeiro e Deus verdadeiro, condição que faz com que Maria seja nossa condutora a Ele – ela no-Lo deu, ela a Ele nos conduz. Mas o que são as palavras? Elas não dão conta deste mistério, que para ser compreendido tem de ser primeiro crido, e se o protestante acreditasse nisso, deixaria de protestar contra a Igreja e se tornaria católico.


Surge boa luz quando percebemos nossa dotação natural para percebermos e sentirmos com força aquilo a que o símbolo comunica. Esta dotação é a vocação pessoal.


Porque a vocação é semelhante a um GPS, aquele aparelhozinho que vemos em alguns carros e que serve para indicar as ruas e o itinerário par a chegar-se ao destino pretendido. Cada fabricante de GPS introduz no aparelho que cria algum diferencial, de modo que cada um pode o que pode, uns mais, outros menos.


Do mesmo modo a vocação de cada pessoa a impele a ir em direção ao que a alimenta, ao que lhe é conatural. Tanto é assim que quanto menos empenhada é (ou foi) a pessoa em dar-lhe expressão correta, tanto mais ela manifestará o hábito de intromete-se no que não é de sua conta. Por exemplo, uma pessoa cuja vocação requer, para bem nutrir-se, conhecimentos de natureza filosófica, conforme não tenha atendido a tal necessidade no momento devido, facilmente se transforma num crítico do que não é de sua conta criticar. Em toda época encontramos hereges e cismáticos propondo uma Igreja melhor do que a Igreja real e contemporânea, que julga conhecê-la mais do que o próprio a conhece. Movido pelo impulso de querer “ajudar ao Papa”, não raro visto como “prisioneiro do Vaticano”, põe-se a fazer uso de sua natural vocação filosófica e critica, levanta dubiedades aqui e ali, incansavelmente . Isso ocorre porque quando a vocação é atendida da maneira correta e na época devida, o espírito repousa e a pessoa conserva a coragem de ser humilde. Não a cultivando adequadamente, a coragem de ser humilde é substituída pelo desejo de segurança, não aquela segurança dada pela confiança nas promessas de Jesus (“...Minha Igreja... contra a qual as potências do inferno não prevalecerão”), mas a segurança que, acreditaom, pode ser dada pelo filólogo, pela História ou por alguma ciência das coisas deste mundo. Esquecem tais pessoas que o reino de Cristo não é deste mundo; portanto, não está sujeito às leis que valem para a existência fora da graça sacramental. Portanto, esquecem-se que as ciências deste mundo são boas, sim, para as coisas deste mundo, e não para aquilo que só conhecemos por causa do Espírito Santo, que através da Igreja ensina toda a verdade . Tais pessoas costumam esquecer-se que o fato de o reino de Cristo não ser deste mundo não significa que esteja ausente deste mundo – significa que o homem, ainda neste mundo, o escolhe ou não. Conforme seja a escolha que faça, o tratamento que recebe é diferente. Se escolhe a Igreja, é então tratado pelo próprio Deus como seu amigo, e se empenha em permanecer dentro da graça e sacramental; ou, caso escolha alguma outra coisa (a “Mãe Gaia”, retomada por heréticos teólogos), vê a vida transcorrer sob o jugo próprio do que é meramente cósmico, do que é meramente poeira cósmica e, portanto, sujeito às imprevisíveis e desagradáveis contingências do dia-a-dia.


Assim como Deus cuida dos animais que não fiam, não armazenam e somente vivem um dia de cada vez, mais ainda faz pelo homem. Ele é que faz que adquira vida, e vida sempre nova, os símbolos que houve por bem introduzir no tesouro da fé, de modo que facultem ao fiel alimentar-se da água que elimina toda sede, a qual água são as verdades de vida eterna Na Missa, dá-se justamente a concentração desses elementos simbólicos, cujos significados são tanto melhor assimilados quanto a pessoa os observe pela perspectiva de sua vocação.


Não me lembro de qual foi minha primeira experiência neste sentido. Porém, recordo-me de vários desses momentos. Um deles foi o prestei atenção no gesto do sacerdote oferecendo à minha boca, na mesa de comunhão, a Eucaristia. Surgiu em minha mente o pensamento: “Que é isto? Que humildade é esta? Deus, não bastasse ter-se feito homem, a menor das criaturas racionais, ainda assume a figura de pão e vinho?” Quanta admiração Não me lembro de durante toda minha vida ter sentido maior admiração este pensamento fez brotar no coração. Porque a engenhosidade de Deus, na medida em que percebo um pequenino pedaço, faz o meu GPS, a minha vocação, vibrar como que em presença do que lhe é conatural, assim como aquele aparelho apita ao aproximar-se de algum radar.


Quando aplicamos este tipo de pensamento à Igreja, então a admiração de tão imensa fica quase insuportável. Com quanta sabedoria agiu o Papa Paulo VI, dando aos fiéis uma forma de celebração capaz de ser assimilada pelos corações de um novo tipo de geração humana que ainda surgiria e se mostraria como incapaz de viver e aceitar pacificamente regras e restrições. Geração humana que só não afundou definitivamente na própria fraqueza porque, ainda que existindo num mundo onde a juventude se revoltou contra a Igreja (em 1968, conforme tão bem explica o Papa Beno XVI), ao Espírito Santo aprouve dar-lhe a forma ordinária de celebração da Santa Missa.


Numa palavra: a inclinação à rebeldia das juventudes que sucederam àquelas primeiras da década de 60 não conseguiu impedir que os jovens fizessem o caminho de retorno à Igreja, como se viu no pontificado do beato João Paulo II, tal fato dando a ver que o Espírito Santo atrai quem atrai sem negar a vocação natural daquele que é atraído.


Cada pessoa pode e deve fazer bom uso do GPS que é sua vocação e com ela mergulhar no alimento da alma que é cada símbolo que ao Espírito Santo aprouve instalar na Igreja, a qual é Sua e fala com a Sua voz.

Joel Nunes dos Santos, em 04 de junho de 2011

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