“A conversão à fé católica dá-se na Igreja não por persuasão, marketing ou outro efeito de alguma ação humana, mas por atração.” Foi o que o Papa Bento XVI explicou, com outras palavras, por ocasião de sua vinda ao Brasil. Tanto neste quanto nos discursos subseqüentes, vamos encontrando os vários elementos que vão tomando corpo na atração que a Igreja exerce e trás para si os agraciados que não se cansam de dizer, ao acordar, “Graças Vou dou por ter-me feito nascer e ingressar no seio da Santa Igreja...”. Tais elementos são a sublimidade da doutrina, a beleza do rito, a caridade para com o próximo, a aplicação da capacidade intelectual e de ação em bem do próximo, etc.
Esses elementos atrativos atuam sobre o coração de cada um de acordo com o que cada um é apto a perceber de Deus, acontecimento este cujo detalhamento só fica claro anos depois. Depois de passado o tempo em que se deu este encontro com Deus, vamos percebendo que o itinerário que Deus nos fez passar percorre tudo aquilo que podemos vir a compreender de nossa própria vocação. A profundidade da compreensão deste maravilhoso acontecimento varia de pessoa para pessoa. Comigo, minha conversão à fé católica deu-se como narro a seguir.
A minha conversão à fé católica ocorreu lá pelo final do ano de 1999, a qual conversão confirmei formalmente no dia 9 de dezembro de 2001. Deixo de lado vários e importantes antecedentes de minha conversão, por brevidade de escrito. Atenho-me ao essencial, isto é, à maneira como minha conversão seguiu literalmente o itinerário de minha vocação natural.
A minha vocação natural é interpersonalista-artística. Significa dizer que a primeira coisa que move o meu coração e o impele a aderir a isto ou àquilo é o que percebo ser necessário ao próximo. Por exemplo, há assuntos que, de início, nunca foram de meu interesse; porém, estudei-os porque alguém com quem estabeleci vínculo de amizade necessitava de tal saber para encontrar paz para a alma. Por esta razão, durante a maior parte de minha vida dediquei-me a assuntos de interesse de terceiros – os quais assuntos passavam então a me interessar. Mas, além desta característica, outra também compõe a base da minha personalidade, o dom para a música. Aprendi a tocar piano sozinho, idem violão, e também a ler, compor e escrever partituras para ambos os instrumentos (mais para piano) e graças a tal dom paguei meus estudos no colégio, como também graças a ele pude bem orientar meu filho e ajudá-lo a se encaixar bem na vida social e profissional, etc...
Pois bem, para a minha conversão, a Nossa Senhora aprouve conduzir-me a Deus por um itinerário interpersonalístico em primeiro lugar e, em seguida, artístico. Foi assim: um amigo pediu-me auxílio psicológico. Isto foi no final de 1999. Embora eu não fosse católico na ocasião, percebi claramente que seu problema não era propriamente de origem psicológica. Graças a leituras de alguns santos (Hugo de São Vítor, principalmente; depois, um pouco de Santo Tomás de Aquino – que só comecei a compreender depois de minha conversão; São Boaventura, que também achava agradável mas que não conseguia compreender antes também de minha conversão e alguns outros), conseguia distinguir entre motivação psicológica e interesse espiritual. Este amigo não possuía nenhuma religião e neste fato pareceu-me estar a causa de suas dificuldades. Sugeri-lhe que procurasse ser batizado, que seu problema era espiritual e não psicológico. Na época, ele exibia feridas em carne viva nos braços e nas mãos, sem que ele ou algum médico conseguissem diagnosticar a causa do problema. Por questão de amizade, fui com ele ao padre pela catequese, não porque eu mesmo estivesse interessado nisto, mas sim porque parecia-me ser algo importante para ele. Conheci o padre que ia dar a catequese, que por sinal começava naquele exato domingo, e fiquei de companhia. Quando o padre começou a ensinar o que a Igreja ensina, tomei-me de espanto e perguntei: “É isso que a Igreja ensina?”, e ele confirmou. “Posso então continuar vindo assistir a este ensinamento?”, perguntei, e claro que a resposta foi positiva. 15 dias depois (era quinzenal a catequese), ouvi o prosseguimento do argumento do padre – José Edilson – e disse: “Se é isso o que a Igreja ensina, isto é o que venho procurando há 35 anos!” A catequese começou lá pelo fim de 1999 e prosseguiu pelo ano de 2000, quando então pedi ao padre que me batizasse, o que ele fez, “sob condições” (fui educado em igreja protestante e não soube fornecer informações que atestassem a validade do batismo recebido na infância). O meu batismo foi no mesmo dia que o do meu amigo, no dia 9 de dezembro de 2001. Logo que fui batizado, senti, com impressão que me pareceu física, caírem de meus olhos como que escamas, uma de cada olho. Acho que isto ocorreu no momento em que ele disse “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, mas não estou completamente certo disso. Não me lembro exatamente a seqüência dos eventos. Só me lembro disto, que logo após o batismo, parecia que algo caía de meus olhos e minha mente completou o silogismo elementar: “Jesus é Deus; Maria é mãe de Jesus; portanto, Maria é Mãe de Deus!” Meu coração aceitou isto com tranqüilidade impossível de ser concebida nos 35 anos anteriores a este acontecimento, uma vez que fui educado como protestante. E mesmo, durante estes 35 anos, dizendo que Jesus é Deus, nunca o disse com o coração (como acho que nenhum protestante diz, pois no dia que o disser, deixa de ser protestante e se converte à fé católica). Anos depois pareceu-me que no exato momento da minha conversão à fé católica – pois só nesse dia meu coração assentiu com a verdade daquele silogismo – o que Deus concedeu-me enxergar foi que Maria é Sua Mãe.
A parte acima foi o acontecimento relativo à base de minha vocação natural, isto é, à parte interpersonalista: por causa de um terceiro, deixei-me conduzir, sem o saber, pelas mãos de Maria, a Jesus. Uma observação: as quatro vocações naturais combinam-se, de modo que a vocação de alguém pode ser científico-artística, filosófico-científica, e assim por diante, o segundo termo referindo-se à parte complementar da vocação. A minha é interpersonalista-artística.
A segunda parte, relativa à parte complementar de minha vocação interpersonalista, isto é, à parte artística (musical) de minha vocação, foi ocasião provavelmente da maior provação de que tenho consciência em minha vida. Foi assim: o mesmo padre que me batizou disse, na homilia, que devemos obedecer à Santa Madre Igreja, a despeito de nossa opinião pessoal sobre este ou aquele assunto, sobre esta ou aquela questão. “Assim, disse ele, por questão de obediência, devemos evitar manter relações de convívio com aqueles que a Santa Madre igreja reprova, como com os cismáticos. Não importa que a Missa que celebrem seja tecnicamente impecável, esteticamente sublime, etc. Não devemos participar da mesa de cismáticos.” E aí, como se diz na gíria, “o bicho pegou” para mim. Porque para mim, durante toda minha vida, nunca foi problema mudar hábitos. Quando precisei alimentar-me com o mínimo possível de comida – e precisei fazê-lo, não uma nem poucas vezes – o fiz com alegria; se precisasse afastar-me de quem mais gostasse, meu coração não se revoltava; se fosse feito de idiota, não odiava o autor da façanha; se explorado por alguém, não lhe desejava o mal. Porém, algo que nunca precisei fazer na vida foi concessão estética quando o assunto é música. Dotado de ouvido “quase absoluto”, que me permite perceber em que tom a música está mesmo sem ter qualquer instrumento à mão, nunca precisei nem imaginei que algum dia teria de aceitar permanecer em algum lugar onde a estética musical fosse aviltada. Para exemplificar a força disto em mim, narro um acontecimento: houve uma época em que trabalhei (no Banco do Brasil) de madrugada, de 00h37 às 05h45 da manhã. Às vezes ia quase direto para a faculdade (formei-me na PUC) e voltava no fim da tarde, quando então ia dormir. Numa dessas vezes estava eu morto de sono, e minha esposa estudava flauta transversal e estava treinando, eu quase dormindo. Ocorre que ela estava tocando uma peça em sol maior e a frase que treinava exigia que ela tocasse a nota fá sustenido. Ela errava o trecho e tocava fá natural. Isto ocorreu uma vez, duas vezes, três vezes e não tive escolha: cambaleando de sono, fui à sala e toquei ao piano o trecho para ela escutar, corrigindo-a. Só quando ela passou a tocar o trecho corretamente eu consegui dormir.
Pois bem, meu filho nasceu em 1987. Procurei onde batizá-lo e um dia assisti a uma Missa numa Igreja cismática, cujo rito foi estabelecido por São João Crisóstomo no séc. VII e nunca modificado. Em toda a minha vida, nunca havia sentido uma emoção exclusivamente religiosa senão assistindo a este rito. Para mim era como entrar no céu e escutar anjos cantando.
Ao contrário da beleza celestial da Missa segundo o rito daquele santo, onde o Pe. José Edilson me batizou, os fiéis eram em sua maioria total e completamente desafinados. Era algo que me incomodava quase que fisicamente, pois nunca, durante toda minha vida, precisei (ou imaginei que precisaria) suportar algo assim. Foi então que me vi mergulhado na primeira situação em que, hoje compreendo, fui colocado por Nossa Senhora para escolher entre minha opinião ou a fé da Igreja. O padre disse: “Devemos obedecer à Santa Madre Igreja, não interessa qual seja a nossa opinião”. Mais tarde, soube da formulação de Santo Agostinho (não com essas exatas palavras): “Nós vemos pão. Mas a Igreja diz que não é pão, mas é Cristo, é Deus. Então, vemos Deus.” Eu tinha de escolher entre aceitar e obedecer a meus sentidos ou obedecer à fé da Igreja. Com tudo em mim contrariado, preferi obedecer: fiquei entre os completamente desafinados, porque lá era onde estavam os católicos apostólicos romanos; afastei-me dos cismáticos, pois não são católicos apostólicos romanos.
Habituei-me a assistir à Missa sem qualquer expectativa de que ela possuísse algo de estético – para mim, estética e música eram sinônimos, uma vez que sem comida meu coração não entristecia; sem música, sim. Mas, passados uns dois anos de minha decisão de obedecer à Santa Madre Igreja, minha esposa pediu que a levasse à celebração de Missa, pelo mesmo padre José Edilson, no centro da cidade. Fui. Quando entrei na pequena capela, meu coração saltou: a mesma beleza que me comoveu o coração sob o rito de São João Crisóstomo, eu a reencontrara. Os exercícios de aquecimento de voz que o maestro fazia o coral praticar, para mim soaram como o cantochão da Missa daqueles cismáticos. A majestade do canto gregoriano fazia até esquecer o antigo enlevo do coral profissional que era contratado pelos cismáticos. Aprouve, pois, a Nossa Senhora, conceder-me a graça de ter muito mais do que eu poderia imaginar: entre os cismáticos, eu era somente ouvinte; entre os católicos romanos, depois de certo tempo o maestro soube que eu sou músico e convidou-me a cantar no coral gregoriano. De assistente, passei a dar algum auxílio ao maior tesouro que há na terra, a Santa Missa.
De modo que o caminho da minha conversão seguiu o itinerário que é conforme com a estrutura de minha vocação natural, interpersonalista-artística.
Suponho que quem examine como se deu sua própria conversão chegará a conclusão semelhante à minha, isto é, que a atração com que a Igreja atrai seus filhos – “minhas ovelhas conhecem a minha voz” – não nega a natureza, isto é, a vocação natural, mas por meio dela age. Mesmo numa mesma família, cuja composição vocacional básica é a mesma, cada indivíduo desta família possui uma maneira sua, somente sua, de ouvir ao chamamento de Deus, tal como se deu comigo. Porque a graça não nega a natureza, mas a aperfeiçoa.
Joel Nunes dos Santos, em 21 de maio de 2011.
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