domingo, 15 de maio de 2011

Vocação e Família – V

Quando vemos duas crianças juntas, uma de família estruturada e outra de família desestruturada, a proveniente desta última parece, sob certos aspectos, mais inteligente. Isso porque ela dá a impressão de possuir maior rapidez de raciocínio, se ser capaz de “pegar” as coisas mais rápido e assim por diante. Ao contrário destas, as de lares estruturados parecem mais lentas de raciocínio, mais “bobas”, ingênuas, e isso é assim justamente porque elas vivem afastadas da malícia. E é muito fácil confundir a malícia com a verdadeira inteligência.

Na vida do dia-a-dia presenciamos quanta força as pessoas maliciosas adquirem sobre as demais. Entre os que até por questão de vocação, se deixam atrair pela força da linguagem, isso fica muito visível. Quanto barulho fazem aqueles ruidosos católicos que entendem prestar serviço à Igreja atacando-a e às suas decisões, com isso provocando o afastamento de muitos da vida fundada na caridade.

É de se crer que no Brasil talvez estejamos presenciando atualmente um período muito difícil para as famílias brasileiras em geral e para o católico em particular. Com a ressignificação do conceito de família imposto pelo Supremo Tribunal Federal na sexta-feira, dia 06 de maio, que iguala em direitos a constituída por dois homens ou duas mulheres com a verdadeira, constituída por um homem e uma mulher e sua descendência natural, a malícia atingirá níveis nunca antes vistos. O desvio moral e a ofensa a Deus, com esta decisão, encontra base material para tornar possível o surgimento de porta-vozes de enganos que muito poderão penalizar as gerações futuras.

Esta visão preocupada, pessimista, baseia-se no seguinte fato: algumas pessoas possuem vocações naturais aptas a amplificarem o engano e o erro numa avantajada escala social e histórica. Refiro-me principalmente às duas das mais intelectuais vocações, a filosófica e a artística. Indivíduos possuidores de uma ou outra destas vocações, quando concebem algo em sua mente, conseguem dar-lhe expressão tão convincente que a maioria acaba tomando por verdade o que nada mais é que mera elucubração imaginativa. Isto porque é característico dessas duas vocações o hábito da reflexão solitária. Os assim vocacionados, depois de muito meditarem em algo, surgem em cena com algo pronto e que parece tão verdadeiro que gerações inteiras mergulham no engano. Um exemplo de alguém assim, conhecido por todos, pelo menos de nome? Charles Darwin.

Este pensador, com um estupendo talento artístico, escreveu um livro, “A origem das espécies” onde apresenta uma primorosa descrição, verbal e visual, de vários exemplares vegetais e animais. Diz-se que não há quem tenha composto obra igual. Atendendo a uma exigência espontânea da mente humana, entendeu dispor os exemplares que examinou e desenhou em ordem crescente de complexidade orgânica, tornando forte a impressão de que tais criaturas surgiram no planeta sucessivamente, primeiro a mais simples, depois a menos simples até chegar à mais complexa. O mesmo esquema, de apresentar como coisa sucessiva o que pode ter-se dado simultaneamente, foi aproveitado pelos seguidores de tal pensador, de maneira que mesmo quem não o segue não vê nada estranho quando olha a figura de “vários seres humanos”, de estágios de desenvolvimento cerebral diferente, colocados em fila, o primeiro exibindo postura simiesca, o último a postura ereta, propriamente humana. Fica-se com a impressão que o homem é uma criatura que surgiu aos poucos e não imediatamente, como se ele fosse um produto integral da natureza sem a atuação direta de Deus no processo. E esta impressão permanece ainda que ninguém tenha conseguido explicar a improbabilidade de haver criatura com o tipo de inteligência que o homem possui.

Mas esta proposição, que o homem descende de macaco, proposição “científica” atribuída – falsamente, na verdade – a Darwin, é insoluvelmente problemática. Porque se os homens surgidos posteriormente são superiores em inteligência aos anteriores, é preciso responder de onde veio o excedente de inteligência verificado nos sucessores dos primeiros? Pois é concebível que do mais proceda o menos, mas não é admissível que o menos gere o mais. Numa linguagem simples: posso pagar uma conta de R$ 10,00 com uma nota de R$ 50,00; mas não posso pagar uma conta de R$ 50,00 com uma nota de R$ 10,00, pela simples razão de que do mais procede o menos, mas do menos não surge o mais. O mais sensato parece ser como Moisés disse: o primeiro homem possuía mais atributos do que os que vieram depois, ele, o primeiro Adão, só tendo sido superado pelo próprio Deus que se fez homem, Jesus.

Mas prossigamos, porque o objetivo deste artigo não é discutir antropologia, teologia, religião e ciência, mas sim mostrar o perigo que reside na combinação de vocação natural com ambiente pervertido ou pervertedor.

Pois bem, na mencionada obra daquele pensador, ao organizar mentalmente (e no papel) as espécies, sugerindo que as espécies seguintes contêm tudo das anteriores e um algo mais, a exigência da própria mente humana, de em tudo pôr ordem baseado na quantidade, prevaleceu. Ele, Darwin, na descrição da reflexão que o levou às conclusões que propôs, lembrou do passado vivido nas terras do seu pai e também das práticas dos fazendeiros daquela época. Ele se lembrou que os fazendeiros da Inglaterra, de onde ele é, costumavam “produzir” boas espécies animais fazendo acasalar exemplares bem-sucedidos. Conseguiam fazer surgir vacas capazes de produzir enorme quantidade diária de leite, quando no início só produziam poucos litros de leite por dia; conseguiam fazer surgir ovelhas que davam exuberante quantidade de lã e assim por diante. Por “seleção controlada” os fazendeiros faziam surgir espécimes “superiores”. Escreveu então Darwin em sua obra: “Será que a Natureza não faz o mesmo?”, isto é, será que, assim como os fazendeiros da Inglaterra, a natureza também não selecionava alguns espécimes, conservando-os e deste modo fazendo surgir espécimes e espécies superiores?

O próprio Darwin não propôs nenhuma teoria a respeito, restringindo-se àquela frase-pergunta: “Será que a Natureza não faz o mesmo?” Comportou-se aí não como cientista, mas como o artista que faz uma pergunta capaz de excitar a mente do leitor. Este sim, o leitor, ou algum deles, entendeu haver em suas palavras a força de uma proposição científica; transformou então a pergunta em doutrina prontinha, acabada, que passou a ser aceita quase sem discussão pela posteridade. Mesmo esta sendo uma doutrina impossível de ser transformada em ciência, pela simples razão de que sendo ciência a “observação de fenômenos à luz de princípios”, com vista à replicação do fenômeno em questão, não é possível demonstrar cientificamente a teoria da evolução. Porque a teoria da evolução presume bilhões de milhares de anos para dar-se, o que simplesmente impossibilita a observação e, mais ainda, a possibilidade de replicação do fenômeno em estudo. De modo que a doutrina da evolução extra species só pode ser aceita por fé, dado que não houve e não há a possibilidade científica de surgimento de prova em seu abono.

Observando com atenção o tipo de inteligência de Charles Darwin, a partir de seus escritos, é possível dizer que a sua vocação é artística, haja vista sua insuperável competência para descrever os espécimes que caíram sob suas vistas; ao mesmo tempo que é possível também perceber uma proporcional ausência de discernimento científico no quesito “inteligência”: ele escreveu que a única diferença que percebia entre a sua inteligência e a do seu cão de estimação era diferença de grau; qualitativamente, não percebia diferença entre uma e outra.

É enorme a quantidade de pessoas sérias que são ardorosas seguidoras deste pensamento meramente sugestivo e nada científico. E é difícil não perceber por trás do fenômeno desta adesão algo fortemente irracional, o sentimento anti-católico. Pois a força da doutrina evolucionista não repousa na articulação intelectual que ela faz da realidade material da vida, mas no fato de ela facilitar a rejeição da fé católica.

Para algo assim acontecer, uma proposição de natureza artístico-poética ganhar a força de certeza científica, é indispensável a presença de alguém com vocação nitidamente filosófica ou artística. Pois nenhuma vocação natural é garantia de encontro da verdade mas é tão-somente garantia de amplificação, por este ou aquele vocacionado, de algo que lhe vai na imaginação. Se surge alguém com forte artística ou filosófica num ambiente hostil à verdade, à moral, à Igreja, etc., as chances de isto provocar uma desmedida disposição em muitos contra tais coisas é enorme.

Retornando à decisão do STF: se por “família” é possível entender não mais e tão somente o homem e a mulher e sua descendência natural, mas alguma outra coisa, e no meio desta “alguma outra coisa” se desenvolve uma criança talentosa, com forte vocação artística ou filosófica, dá para imaginar que amplitude psicológica e intelectual o engano e o erro poderá adquirir. Movido pelo imperioso desejo de justificar a própria realidade em que vive, esta criança, atingindo a idade adulta, poderá tornar-se exímia na arte de influenciar grande número de pessoas e fazê-las aceitar como verdade o que só ofende a Deus e infelicita a vida do homem.


Joel Nunes dos Santos, em 15 de maio de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...