A PAIXÃO DA IGREJA
O Catecismo da Igreja Católica oferece reflexões muito convincentes também em relação a outro aspecto da prova final da Igreja, que é precisamente a perseguição. Também neste caso nos encontramos diante de uma dimensão que acompanha o povo de Deus ao longo de todo o curso de sua peregrinação terrena. Jesus não deixa nenhuma esperança em relação a um cristianismo bem acomodado no mundo. A este respeito, afirma: “Lançarão as mãos sobre vós e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença dos reis e dos governadores, por causa de mim” (Lc 21, 12). A perspectiva do martírio, no sentido profundo de testemunho até o dom da vida, faz parte da existência cristã normal. Entretanto, esta possibilidade se tornará muito concreta para toda a Igreja nos últimos tempos.
As teorias milenaristas incentivaram a reflexão da Igreja no que se refere à última etapa de sua jornada sobre a terra. Não será uma marcha triunfal, como o milenarismo parece insinuar, mas sim o caminho da cruz, que terá seu epílogo sobre o Calvário. A Igreja é chamada a reviver em si mesma o mistério pascal de Cristo. A esse respeito, o Catecismo da Igreja Católica se expressa em termos impressionantes: “A Igreja só entrará na glória do Reino através desta derradeira Páscoa, em que seguirá seu Senhor na sua Morte e Ressurreição” (n. 677). O Catecismo parte de um pressuposto teológico indiscutível. A Igreja é o prolongamento, na história, do mistério de Cristo e os membros do corpo místico são chamados a reviver em si mesmos a existência daquele que é a Sua Cabeça. A vida pública de Jesus foi marcada pela pregação, pelo testemunho, pela tentação e pela perseguição. Assim será o percurso da Igreja no caminho da história. No entanto, a conclusão da vida de Jesus viu o seu ingresso no mistério de enorme sofrimento, até a morte de cruz, na ignomínia e no abandono. Quando tudo parecia acabado e as forças do mal saboreavam a vitória definitiva, acontece a intervenção da onipotência divina que derrota o poder das trevas e eleva ao esplendor da glória aquele que o mundo tivera a esperança de eliminar. Do mesmo modo, a Igreja, na fase conclusiva de sua peregrinação, será chamada a reviver em si mesma a Paixão de Cristo, para chegar depois à glória da parusia. Como Cristo, ela fará a experiência da agonia do Getsêmani, será traída, abandonada por muitos de seus filhos, esbofeteada, escarnecida, flagelada e finalmente condenada à morte e crucificada. Quando o mundo pensar ter conseguido o objetivo de eliminá-la da face da terra, quando estiver prestes a cantar a vitória, naquele momento aparecerá sobre as nuvens do céu o verdadeiro Senhor do mundo, que introduzirá a Igreja na glória divina da Ressurreição. Contrariamente à perspectiva do milenarismo e a uma certa mentalidade triunfalista, “o Reino não se realizará, portanto, por um triunfo histórico da Igreja segundo um processo ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o desencadeamento último do mal, que fará a sua Esposa descer do Céu” (CIC n. 677).
De fato, o mundo seguirá o dragão e as duas bestas e a eles adorará: “Todos, pasmados de admiração, seguiram a fera e prostraram-se diante do Dragão, porque dera seu prestígio à fera, e prostraram-se igualmente diante da fera (...) e hão de adorá-la todos os habitantes da terra, cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro imolado (Apoc 13, 3-4.8).
Não poucas “revelações privadas” dão uma interpretação literal ao Reino de mil anos de que fala o Apocalipse. Até mesmo autores como Soloviev e Maria Valtorta adotam um esquema apocalíptico que põe a manifestação do Anticristo antes do Reino de mil anos, ao término dos quais colocam o último desencadeamento das forças do mal e então a parusia.
A Igreja nunca adotou esta perspectiva e, como ilustramos amplamente, põe o Anticristo no contexto da impostura religiosa suprema, que precederá o fim dos tempos e a vinda de Cristo na glória. Como então interpretar o Reino de mil anos, amplamente ilustrado no Apocalipse? “Vi, então, descer do céu um anjo que tinha na mão a chave do abismo e uma grande algema. Ele apanhou o Dragão, a primitiva Serpente, que é o Demônio e Satanás, e o acorrentou por mil anos. (...) Vi também as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus e todos aqueles que não tinham adorado a fera. (...) Eles viveram uma vida nova e reinaram com Cristo por mil anos” (Apoc 20,1-6). A interpretação literal deste texto afastou mais de um autor da perspectiva da fé. Na realidade, João aqui apenas havia terminado de descrever a grande perseguição da Igreja, primeiro com Nero e depois com Domiciano. Ele encoraja os cristãos dizendo-lhes que, depois da perseguição, Deus concederá um período de paz e de renovação da Igreja. Também a ressurreição dos mártires deve ser entendida simbolicamente, como a continuação de sua presença espiritual no caminho de retomada da Igreja.
Esta interpretação está absolutamente correta do ponto de vista teológico. A peregrinação da Igreja tem momentos em que o dragão a ataca desenfreadamente com a sedução e a perseguição, e outros em que Deus concede paz e tranquilidade. Isso acontece também no plano individual. Ai de nós se Deus permitisse que o demônio nos atacasse continuamente! Isto, porém, não significa que a tentação tenha desaparecido do horizonte da nossa vida, mas simplesmente que a sabedoria de Deus dosa sua intensidade e periculosidade. Da mesma forma, o “mistério da iniqüidade” age contra a Igreja nos âmbitos da permissão divina, que prevê para o povo de Deus em caminho a alternância de momentos de grandes provas com outros de serenidade.
Entretanto, não há dúvida de que no fim haverá uma expansão incontrolável do poder das trevas, como nunca antes. É o momento da suprema impostura e do Anticristo, da batalha final e do triunfo de Deus sobre a revolta do mal. “Depois de se completarem mil anos, Satanás será solto da prisão. Sairá dela para seduzir as nações dos quatro cantos da terra, (Gog e Magog), e reuni-las para o combate. Serão numerosas como a areia do mar. Subiram à superfície da terra, e cercaram o acampamento dos santos e a cidade querida. Mas desceu um fogo dos céus e as devorou. O Demônio, sedutor delas, foi lançado num lago de fogo e de enxofre, onde já estavam a fera e o falso profeta, e onde serão atormentados, dia e noite, pelos séculos dos séculos” (Apoc 20, 7-10). Este célebre texto, completado pelo de Paulo na Segunda Carta aos Tessalonicenses, envia uma mensagem muito precisa. Quando a “suprema impostura” parecer ter a supremacia e a destruição da Igreja parecer iminente e inevitável, quando o mistério da iniqüidade se manifestar no Anticristo, porque não está mais preso, quando a Igreja tiver bebido até a última gota o cálice da Paixão do seu Senhor, então o triunfo de Deus sobre as forças do mal tomará a forma do Juízo Final, o Juízo universal, enquanto a Igreja descerá do céu, pronta como uma esposa ornada para o seu esposo (cfr Apoc 20,11-21,1-2).
Podemos naturalmente perguntar-nos: estão chegando os tempos da grande perseguição e do desencadeamento das forças do mal? A este respeito, não se pode dar uma resposta exata. Cada época vê desencadear-se contra a Igreja a obra de sedução e de perseguição por parte do mistério da iniquidade. Em alguns momentos, ela é particularmente intensa, em outros, ao contrário, o mundo parece querer retornar a Deus. Para cada geração, como para cada pessoa, a única coisa verdadeiramente importante é sair com a palma da vitória, porque no fundo é isso que conta. (a ser continuado)
Traduzido do italiano para o português por Tania
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