domingo, 17 de abril de 2011

Vocação e Família

Em abril de 2008, mais precisamente no dia 19, no encontro com jovens e seminaristas, no Seminário de São José, em Nova Iorque, o Papa Bento XVI disse “Reconheçamos sempre que são as famílias o lugar onde nascem as vocações”.

São Paulo ensina (I Cor. 13,4) que “a caridade é paciente... e bondosa”. Tal é a virtude natural que a família manifesta, mesmo naquelas em que o amor parece estar ausente. Mesmo nestas, é comum observar-se mais paciência com o próprio parente do que com um bom amigo. Basta notar que não é incomum romperem relações com amigos de longa data quando estes cometem algum erro ao mesmo tempo em que toleram parentes que chegam a ser até delinqüentes. Pois parece que Deus, em sua infinita sabedoria e misericórdia colocou força no sangue capaz de tornar as ligações afetivas entre os de uma mesma família muito fortes.

Fora de casa dá-se também a presença do amor desinteressado. Porém, esta não é a regra, uma vez que fora de casa, não se ama a pessoa simplesmente porque ela nasceu, como ocorre na família; antes, fora de casa, a pessoa é amada por causa de alguma razão: porque é simpática, talentosa, útil, bonita, miserável e assim por diante. Mas o amor pela pessoa, simplesmente porque ela nasceu, é coisa própria da família.

Quem ama, seja dentro ou fora de casa, é inclinado a interpretar positivamente o outro, suas ações e suas palavras, que são tidas, no mais das vezes, como produtos de boas, honestas e inteligentes intenções.

Esta inclinação a olhar amorosamente para o parente é a lente que ajuda na identificação e auxílio da vocação da criança. Porque quando se supõe que há sentido no que o outro faz ou diz, principalmente quando tais coisas são feitas ou ditas espontaneamente, vai-se progressivamente percebendo no outro contornos definidos; vai-se percebendo certa intencionalidade de sua mente que por fim irá coincidir com um padrão suficientemente definido a ponto de poder ser referido a uma vocação específica.

Se é possível olhar com olhar amoroso pessoas que não fazem parte da família; se é possível ser paciente com elas, é mais possível ainda fazer isto com nossas crianças. Podemos lançar sobre elas, de maneira constante e interessada, o olhar amoroso, a lente capaz de discernir o padrão intencional de seus espíritos e, assim, perceber suas vocações.

A família é a circunstância privilegiada para exercitar a caridade do olhar, a paciência no escutar, o desejo do bem do outro no agir, qualidades que podemos (e até devemos) praticar com terceiros, fora de casa. Mas devemos praticá-las primeiro com quem já amamos espontaneamente. Para fazer isso, devemos nos esforçar para conhecer os fundamentos ou a prática do que espondaneamente atrai o coração de nossas crianças. Se a criança sente atração por papel e lápis, devemos criar o hábito de sentar com ela e desenhar juntos. Se não sabemos desenhar podemos adquirir manuais que ensinem essa arte para aprendê-la junto com a criança, pois assim desde cedo ela aprenderá a amar conhecer coisas honestas e belas. Ninguém costuma ser mais disponível para fazer isso do que a mãe, criatura sempre (ou no mais das vezes) inteiramente disponível para os filhos. Assim agindo, os pais confirmam a criança no bem e no belo, que são o caminho mais curto para ela compreender e praticar o senso de justiça, que se traduzirá por dar a Deus o que é de Deus e à vida natural um espírito sadio e honesto. E ela aprenderá isso cultivando o que é próprio de sua vocação com paciência, método e amor.


Não ponho dúvidas de que esta pedagogia, onde os pais sejam os preceptores dos filhos (ambos ou o que tenha mais disponibilidade de tempo para isso), está na raiz dos mais adequados e frutuosos desenvolvimentos adequados do caráter e personalidade das crianças. Porque o inverso do desenvolveimento adequado do caráter e da personalidade se mostra quando os pais são os primeiros a fazerem suas crianças acreditarem que o desejo espontâneo que Deus lhes pôs no coração é algo desonesto e ruim. O contrário disso tem ocorrido com muita freqüência nos dias atuais: crianças e jovens agem de maneira auto (e hetero) destrutivas como que movidos pela intenção de confirmarem que são de fato os estorvos que seus pais parecem acreditar que são. Se o pai desrespeita a mãe e vice-versa, se eles se traem e se separam e os transformam em focos de brigas e discussões, então isto é assim porque eles (assim sentem a situação) são criaturas que estorvam seus pais. Ora, a menos que as crianças e os jovens padeçam de deficiência mental, é esperável que desviurtuem o sentido do mandamento de honrar pai e mãe e passem a agir como quem confirma o negativo pensamento de seus pais sobre eles e a família em geral.


Podemos fazer muito melhor que isso: podemos ajudar nossas crianças a cultivarem amorosamente a vocação que Deus lhes deu. E caso não façamos isso, por certo que sempre haverá adultos fora de casa, fora da família, interessados em usá-los para os próprios, escusos e pecaminosos fins.

Joel Nunes dos Santos, 16 de abril de 2011.

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