domingo, 6 de março de 2011

Auxiliando a vocação e desviando do que a atrapalha

A vocação sobrenatural é graça que Deus dá sem mérito algum de quem recebe, tal pessoa devendo apenas aceita-la e cultivá-la. A vocação natural também é uma graça, mas exige algo um pouco diferente; exige o apoio do ambiente familiar e social, apoio sob a forma de instrumentos materiais e intelectuais que sirvam como meios de sua expressão. Assim, para o desenvolvimento adequado da vocação artística, é necessário que desde bem cedo a pessoa conviva com obras de arte que refinem a sensibilidade, o mesmo valendo para as demais vocações. Pois é desta maneira que a criança desenvolve uma espécie de “instinto” que a faz rejeitar o erro tanto moral quanto intelectual. E vale o contrário: na ausência de um ambiente assim, ela se tornará jovem e depois adulto apegado ao erro e ao pecado.

Dou exemplo da dificuldade para provocar em jovens e adultos da atualidade a compreensão disto que por incontáveis gerações foi reconhecido e aceito por grande número de pessoas, o valor da adesão ao bem e a rejeição do mal sob qualquer de suas formas.

Dentre as matérias que leciono em universidade privada, consta uma, Filosofia Moral e Ética, que se presta muito bem como ocasião para tratar de assuntos moralmente edificantes aos jovens e adultos das minhas classes. Pela razão de serem instalações alugadas, os administradores da instituição se vêem na contingência de terem de ceder parte do espaço a empresas que anunciem seus negócios. Há algumas semanas, uma das empresas locatárias do espaço de anúncio é proprietária de rede de salas de cinema, que vem fazendo promoção de ingressos para filmes diversos, dentre os quais um recentemente produzido no Brasil, em parte financiado com dinheiro público, cujo conteúdo é a narração de vida de garota de programa.

O que costuma ser tarefa simples e fácil em ambiente onde as pessoas tenham recebido na própria casa educação moral básica, não se mostrou assim numa instituição onde a religião está quase que totalmente banida, a ponto de não se ver nenhum símbolo religioso, de qualquer religião, em qualquer das suas inúmeras dependências.

Nos ambientes do primeiro tipo, para clareza do assunto não é necessário ir além das palavras do Catecismo da Igreja Católica a respeito da prostituição: “A prostituição vai contra a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida, assim, ao prazer venéreo que dela se obtém. Aquele que paga peca gravemente contra si mesmo; viola a castidade à qual se comprometeu em seu Batismo e mancha seu corpo, templo do Espírito Santo. A prostituição é um flagelo social. Envolve comumente mulheres, mas homens, crianças ou adolescentes (nestes dois últimos casos, ao pecado soma-se um escândalo). Se é sempre gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição, a miséria, a chantagem e a pressão social podem atenuar a imputabilidade da falta.” (CIC 2355)

Nos ambientes do segundo tipo, isto é, em instituição onde a confusão entre “ambiente laico” e “ateismo” é preocupantemente comum, é necessário combinar virtudes das quatro vocações naturais: ser altruísta para deixar de lado as próprias tristezas e temores em favor do trabalho em bem do próximo; fazer isso com arte suficiente para atraí-los à reflexão sobre assuntos relativos a moral, em geral entendida como coisa retrógrada e já superada; encontrar fundamentos intelectuais a favor da moral difíceis de serem rebatidos; e, acima de tudo, sem perda da caridade, dar a eles um caminho de solução prática para a dificuldade, revestida por uma linguagem que entendam. Se me saí bem ou mal nesta tarefa com eles, eu não sei. Posso somente aqui mostrar o fundamental do que lhes expliquei, não com essas mesmas palavras. Expliquei:

Já nos animais percebe-se uma característica que também está presente no homem de maneira incomparavelmente mais eminente, o sentido da posse do próprio corpo e de si mesmo. Por exemplo, se há dois cachorros na minha frente, um em cada lado da rua, e ameaço jogar pedra no da direita, este sai correndo, enquanto o da esquerda fica somente olhando o que acontece. Ambos têm noção do que lhes diz respeito e se o mal ameaça um, o outro fica sossegado, dando assim a ver que é efetiva neles a noção instintiva de posse do próprio corpo.

Em nós, homens, dá-se este mesmo instinto de posse do próprio corpo. Em nós se dá esta mesma noção instintiva. Porém, diferentemente de como ocorre com os animais, ela vem acompanhada da noção de que somos donos de nosso próprio corpo, que ele é parte de nós mas não se confunde com tudo que somos e portanto importa defendê-lo, sim, mas por razões que o transcendem. Somos um ser composto de corpo e alma e se não somos somente corpo, então é porque temos um corpo, que nos pertence ao mesmo tempo que é uma parte daquilo que somos. Não importa aqui descrever como surge em cada um nós a consciência desta verdade, que possuímos um corpo, que somos criaturas corpóreas mas não nos confundimos totalmente com nosso corpo. Basta apenas dizer que a primeira manifestação da consciência de que temos um corpo, e que não somos apenas nosso corpo, dá-se lá pelos três, quatro ou cinco anos, variando o momento de criança para criança. Ela ocorre quando a criança recusa, pela primeira vez, algo que quer muito. Como quando recusa ganhar alguma coisa que nunca foi, até então, de seu feitio, recusar. Daí em diante, esta noção de senhorio sobre o próprio corpo, a ponto de contrariá-lo voluntariamente, vai se refinando cada vez mais. De início, este senhorio vai se afirmando através da incorporação dos hábitos de cuidado e higiene corporal, em atendimento às exortações da mãe: “lave a mão antes de comer; não ponha na boca o que caiu no chão; vá tomar banho; vá escovar os dentes” e assim por diante. Esses hábitos físicos se transformam na base do se alicerçará como uma nova estrutura psicológica, que é o emergir na alma da criança da noção de privacidade, que adquirirá o sentido de responsabilidade para com Deus primeiramente sob o nome de pudor. Este último, que é o hábito psicológico resultante dos hábitos higiênicos e da privacidade, atingirá sua excelência quando for compreendido por sua direta relação com Deus e se tornará conhecido com o nome de castidade, o amor pelo desejo de reservar para Deus o que a Deus pertence por direito. Assim como fez Maria quando, ao ouvir do anjo que seria mãe, ainda que de Deus, sentiu o espírito perturbar porque como ela poderia dar-se a Deus, não recusá-Lo, se fazer isso parecia, à primeira vista, contrariar os votos de castidade que a este mesmo Deus havia feito? Do mesmo modo que Deus resolveu a dificuldade de Abraão, Ele resolveu a de Maria, assim como posteriormente Jesus resolveu na primeira Eucaristia a dificuldade que ele colocou em Seu primeiro milagre público, o da obrigatoriedade de “comer da Sua carne e beber do Seu sangue”. Maria compreendeu que persistiria na castidade, quando então deu o seu fiat.

Prostituição significa agir na direção oposta daquele caminhar do primeiro senhorio do próprio corpo, passando pelos hábitos de higiene e cuidados físicos, elevando-se ao pudor e culminando na castidade. Ela é a afirmação da negação, pela pessoa que a ela se entrega, do sentido de posse do próprio corpo, perda que parece começar pelo plano mais elevado, o da castidade e indo para o mais corporal, passando pelos intermediários, pudor e privacidade. Se bem que o caminho da corrupção e destruição do homem não seja pisar nas mesmas pegadas que surgiram no itinerário do seu desenvolvimento positivo. A corrupção e destruição do homem seguem veredas aleatórias e se procuramos definir-lhe uma ordem coerente, é porque em princípio o homem foi criado bom e inclinado ao amor ao belo e ao justo.

O que é prostituição pode ficar claro partindo-se da origem do próprio nome. Diz-se que “prostituição” resulta da combinação de “pro”, “o que está na frente ou diante de” e “statuere”, “estabelecer ou colocar diante dos olhos”. Assim, o ato próprio a que se dá o nome de “prostituição” é o colocar-se diante dos olhos das outras pessoas como “coisa”, como instrumento a ser usado pelo outro; é o colocar-se diante do outro de maneira não casta, impudica, pública, isto é, retirando da esfera privada o que nunca daí poderia ser retirado. Daí não surpreender que a única e exclusiva razão de alguém permanecer nesta prática ser o dinheiro e ela dar muito dinheiro a seus promotores. Isto parece ser assim pelo seguinte: o que é natural é desejado por todos. O que é antinatural só é apreciado por um pequeno número de indivíduos que decaíram da condição de pessoa, isto é, de substância individual racional. Estes são capazes de persistir em condutas anti-naturais sem para tanto precisarem de qualquer incentivo. Ao contrário, as pessoas, em sua grande maioria, tende a recusar o que é anti-natural, só consentindo em manter-se na prática caso recebam compensação em dinheiro, cuja quantidade tem de aumentar cada vez mais para impedir a recusa. Para verificar a verdade disso é só prestar atenção na quantidade de coisas caras que estão sempre presentes nos ambientes arranjados para o pecado, como a prostituição, o gayzismo, os jogos de azar, etc.

Tudo isso é para ser percebido “instintivamente”, para tanto sendo necessária tão somente ambientação familiar adequada e isenta de vícios e contrariedades morais. Mas isto é o contrário do que os sucessivos governos, nacionais e mundiais, vêm incentivando. Vêm criando leis tais que obrigam pecar. Daí não estranhar a enorme dificuldade em mostrar a jovens e adultos da atualidade a diferença entre vida familiar e prostituição. Mais difícil ainda, encontrar palavras que os façam compreender o quanto é contrário à vocação do homem hábitos que vão contra a moral.

Joel, em 5 de março de 2011

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