Conhecer a vocação famíliar, através da identificação dos parentes mais bem-sucedidos não significa que filho de engenheiroseja (ou deva ser) engenheiro, filho de médico seja (ou deva ser) médico ou filho de quem quer que seja profissional da mesma área ou carreira do pai. Significa dizer a que numa mesma família a disposição cognitiva e psicológica é a mesma, de modo que se em determinada família o parente mais bem-sucedido é engenheiro, por exemplo, isto é fortíssimo indício de que a capacidade para raciocínio lógico mecânico seja traço comum entre os parentes. Cada um de tais parentes dá e dará o direcionamento desta capacidade em função de suas características próprias. Assim, suponha-se que numa família onde seja comum haver engenheiros, um descendente manifeste vocação à música. Ele, sendo músico, manifestará as características que geralmente estão presentes no psiquismo do engenheiro. Um significativo exemplo disso é Aristóteles, a quem Santo Tomás de Aquino se referia apenas como “O Filósofo”, o qual descendia de. Ora, uma característica central e visível nos vocacionados à medicina é a tendência ao ceticismo, própria de quem só aceita as coisas que admitam confirmação pelos sentidos, razão porque mesmo quando algum dos tais enfoque assuntos abstratos, dá a eles uma consistência de algo quase material. E isto é visível na filosofia de Aristóteles: baseado em princípios simples, que até os sentidos confirmam, este filósofo tratou de assuntos que vão desde o que há de mais material até o limite do que a razão natural humana pode atingir, como a eternidade da alma, o fato de que Deus é o “motor imóvel da criação”, etc., conclusões só possíveis a intelectos capazes de chegar a um realismo próprio dos vocacionados à medicina.
Há casos de família onde não se pode dizer que haja algum parente bem-sucedido. Ainda assim, o raciocínio continua válido, pois é possível determinar com segurança, pelo critério proposto acima, de que tipo será a vocação do que, nesta família, há de ser o mais bem sucedido. Em seu abono desta afirmativa, vale descrever um caso de alguém cuja família parece ser antes o retrato de quase completo fracasso.
Há alguns anos, certa garota, pobre, na época com aproximadamente 23 anos, pediu-me conselho sobre que escolha fazer: casar-se ou empenhar-se por algum trabalho.
O histórico de sua família deixava muito a desejar. Era a mais nova de quatro irmãos que de maneira alguma poderiam ser exemplos a serem imitados. Dois deles eram já mortos, após terem cumprido pena de 20 anos cada no atualmente demolido presídio do Carandiru. Um devido à AIDS que contraiu por injetar-se drogas; outro, em confronto armado com a polícia, que o encontrou metido com quadrilha de traficantes.
Esses infelizes homens não possuíam em seu histórico culpa de crime de sangue. Eram exímios arrombadores. “Não havia porta ou fechadura que não conseguissem abrir”, testemunhou ela, que será identificada apenas como “T.” O irmão mais velho de todos é feirante e dado a beber além da conta.
O pai de T. era pedreiro e construía casas na periferia de SP, sem demonstrar talento arquitetônico. Suas construções eram simples locais de moradia, em alvenaria, com formato simples e não muito simétrico, nas quais instalava sistema hidráulico e elétrico. Sua mãe cuidava da casa, e faleceu vitimada pelo diabetes.
É possível admitir que se o pai de “T” ou seus irmãos tivessem estudado ou trabalhado naquilo para o que tinham jeito, teriam sido engenheiros; caso tivessem trabalhado em algo honesto, seriam pelo menos mecânicos ou marceneiros. Pela mesma razão, era visível que “T”, com pouco esforço, seria capaz de desenvolver talentos que só podem ser desenvolvidos por quem tenha facilidade para raciocínio lógico-mecânico, o que a passagem do tempo confirmou: ela se tornou eficiente reformadora de móveis, depois de ter aprendido a consertar aparelhos eletrônicos na oficina que tomava conta e depois se tornou proprietária, condição que conseguiu manter por uns cinco anos, até que o barateamento dos aparelhos eletro-eletrônicos a fez cerrar as portas.
Entre o casamento e o trabalho, melhor foi o que escolheu: o trabalho. Isto por uma razão pelo menos: o histórico de sua família, neste quesito, não poderia ser pior, talvez a única exceção sendo o casamento de seus pais, que ainda conservavam um pouco do espírito religioso que era comum à época em que mesmo não sendo católicos, ainda era possível transmitir aos filhos elementos da moral católica. T. era um exemplo disso. Embora não tivesse tido uma educação formalmente católica, manifestava o senso do pudor, da modéstia, da discrição, etc., visíveis em quem pertença e viva num ambiente de inspiração católica.
No seu círculo de amizades, porém – e aí se podem incluir sobrinhos e primos – as companhias não eram boas. Os homens deste meio raramente se uniam a uma só mulher e dificilmente cuidavam dos próprios filhos, quer os abandonando, quer a isto estando impedidos por se tornarem presidiários, morrerem precocemente, etc.
Só, sem muitas pessoas em quem se apoiar, T. conseguiu encaixar-se no mundo do trabalho, ainda que em empregos modestos, em virtude de talentos que desenvolveu em seguimento de sua vocação de tipo científica, centrada na capacidade de raciocínio lógico-mecânico. Caso fosse de família melhor estruturada, que lhe proporcionasse acesso aos estudos, conseguiria ir bem em áreas técnicas ou afins com a Engenharia ou com a Química.
Joel Nunes dos Santos, em 25 de fevereiro de 2011
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