domingo, 30 de janeiro de 2011

A Vocação Sobrenatural – sinal da Trindade no homem

A meditação sobre a vocação sobrenatural provoca grande enlevo na alma, pois eleva a inteligência a alturas em que parecemos ver sinais de Deus nas criaturas tão sem méritos como nós, os homens, somos.

Um homem santo e sábio, São Boaventura, dizia que podemos perceber vestígios e sinais de Deus nas coisas criadas. Em toda criatura podemos perceber vestígios da trindade, que são efeitos do poder, da sabedoria e do amor de Deus. Do poder de Deus porque ele é necessário para que as coisas sejam criadas do nada; da sabedoria porque só ela poderia encaixar cada uma e todas as criaturas num conjunto harmonioso como é o universo do qual fazemos parte; do amor porque este é necessário para que todas as coisas, quando examinadas, dêem a ver com que cuidado cada uma foi criada. Para exemplificar, por exemplo, o cuidado com que as coisas foram criadas, o santo menciona criaturas pequenas como o mosquito e grandes como o cavalo. O mosquito manifesta proporção perfeita entre o tamanho e tipo de seus olhos com o seu corpo, o qual é perfeitamente adequado para executar as ações necessárias à sua sobrevivência e continuidade da espécie. O mesmo se pode dizer de criatura grande como o cavalo. E o que se pode dizer dessas duas espécies, pode-se dizer de todas as demais: em todas é perceptível o poder que as criou, a sabedoria que as dotou de recursos de vida e sobrevivência que encantam os zoólogos; e também se percebe a imensidade de atenção e carinho que Deus usou para dotá-las dos meios necessários ao atendimento de suas próprias necessidades ao mesmo tempo que para torná-las úteis ao atendimento de necessidades de criaturas que delas dependem, como predadores, hospedeiros, etc.

Tudo isso é coisa encantadora, mas trata-se apenas de “vestígios” de Deus, porque nem os mosquitos, nem as girafas, as pedras e as plantas podem elevar-se à altura necessária para compreender a maravilha que testemunham sendo o que são. Nenhuma dessas criaturas possui alma dotada de inteligência capaz de permitir-lhes enxergar e admirarem-se com a obra de Deus que elas próprias são.

Com o homem, a coisa é diferente. Nele percebe-se, além dos vestígios que se percebem em todas as demais criaturas (inanimadas como as pedras e os gases, ou animadas como as plantas e os animais), também “sinais” de Deus, da trindade que Deus é. Vejamos como pode ser isso.

A alma do homem é sede da inteligência e esta realiza distintas operações: através dos sentidos externos percebe o mundo exterior, vendo, ouvindo, olfateando, degustando e tateando as coisas; pelos internos percebe a intensidade dos próprios sentimentos, dos medos, desejos, alegria, tristeza; pelo intelecto, fazendo uso da imaginação e da memória, constrói um mundo no recesso de sua mente e, ao examiná-lo, conclui coisas acertadas sobre o mundo exterior; pelo coração e pelo intelecto eleva-se até as mais altas criações de Deus e então aspira ao próprio Deus, intencionalmente unindo-se a Jesus e a suas dores.

Mas há um dado que encanta sobremaneira a alma, porque nele o sinal de Deus é realmente forte. Este dado é a vocação sobrenatural. Porque ela é uma e única. No entanto, podemos identificar acentos diversos nela, não somente em nossa vida mas também na vida dos santos que a Igreja nos dá como modelos que robustecem nossa fé, esperança e caridade. Não é certo que cada um de nós é mais constante e seguro na fé, ou na esperança, ou na caridade? Contudo, não pode haver esperança sem fé, nem caridade sem fé e esperança. A fé é a porta de entrada para o “reino dos céus”; ela não desaparece ao dar nascimento à esperança e, esta, ao fazer crescer o empenho em praticar a caridade, também não desaparece. Porque elas, todas as três, compõem um todo, uma unidade, cujo nome é “vocação sobrenatural” – que a Igreja denomina simplesmente “vocação”, como quando nos convida a “rezar pelas vocações”. “Vocações” porque, embora trate-se de uma só, manifesta-se com acentos e gradações tão diferentes que a justo título é referida no plural.

Com a inteligência do homem dá-se um fenômeno parecido de unidade e multiplicidade simultâneas, o que levou dos que estudaram o seu funcionamento a defini-la como um “todo potestativo”, expressão que significa isto: ao se alterar uma de suas partes, o conjunto inteiro se altera. Por exemplo, ao ler um versículo do Evangelho e nele perceber uma nova luz, tudo em minha alma se altera: meu sentimento, minha imaginação, a minha vontade, minha capacidade de raciocínio e assim por diante. Tudo se altera, nada mais permanece igual ao que era antes. Eu me transformo numa outra pessoa, quer dizer, a qualidade do que eu sou modifica-se. Porque a inteligência é um todo potestativo; alterando-se uma parte, tudo o mais se altera.

A unidade da vocação sobrenatural, assim como a unidade que a inteligência é não são como que sinais no homem daquilo que Deus é? Deus é trino: uma só substância em três pessoas; onde atua o Pai, aí atuam o Filho e o Espírito Santo, valendo o mesmo para cada uma das três Pessoas. A inteligência é um “todo potestativo”, de modo que a alteração de uma de suas partes implica em alteração no conjunto. A vocação sobrenatural é uma só, não obstante identificarmos nela acentos diversos, na fé, na esperança ou na caridade.

Não é possível então dizer que, além de vestígios de Deus, em nós também está impresso de maneira indelével o “sinal” de Deus? E dentre os sinais, talvez o mais destacado deles seja justamente a vocação sobrenatural, que é uma só mas manifesta distintas ênfases, distintas cores, distintos chamados de Deus a uma vida plenamente feliz, felicidade esta que só será plena somente quando, tornando-se desnecessárias a fé e a esperança, permanecer apénas caridade – na bem-aventurança.

Joel Nunes dos Santos, em 29 de janeiro de 2011.

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