domingo, 28 de novembro de 2010

Madres do Deserto – Maria Egípicia





Hoje começaremos a estudar a vida de uma madre do Deserto. Gostaria de deixar claro que temos algumas suposições, algumas teorias, por terem sido passadas oralmente. Porém a essência que nos transmite e também o ensinamento que podemos tirar servem-nos de pedestal para achegarmo-nos ao Senhor nosso Deus.
O tema do arrependimento, penitência - PENTHOS – domina o horizonte de muitas pessoas no século IV. As histórias de reviravolta de uma vida velha para uma vida nova passavam de mão em mão, como forma de encorajamento.
Em cada consciência soa o convite de Jesus: “Convertei-vos!” é sua primeira exortação ao povo que o escuta, a Boa Nova (Mc 1,15), “Convertei-vos!” é como um eco potente, que convida a deixar os trapos e a vestir-se com a túnica de festa, impregnada de ricos aromas, para ser protagonista do banquete nupcial.
Conversão é uma palavra de ressurreição. É uma mudança, voltar ás origens da Vida.
Todos nós, cada qual como pessoa, somos uma unidade desmembrada que sofre seus desajustes e grita por recompor-se. O que importa o gênero de pecado? Todos temos um germe comum que concebe o pecado: a soberba. Esta é a mãe de todo tipo de desordem. A pessoa desmembrada se deve recompor-se desde o coração; “o coração que é a interioridade mais interior do ser humano, e ao mesmo tempo sua transparência mais transparente, o coração que é também o corpo mais profundo do corpo, segundo Gregório de Palamás, quem sabe o germe do corpo glorioso (...). Compreendemos no Gênesis, que o homem, a mulher, é o povo do mundo, animado pelo sopro de Deus... o ritmo essencial do coração humano deve unir-se ao ritmo de sua Inspiração, o sopro do homem deve unir-se em comunhão a este Sopro divino, ao Espírito que da Vida que dá a vida”.
É um giro total de si mesmo para o Outro. Por isso a palavra conversão se amplia unicamente para significar uma transformação total, é uma mudança profunda e, desde este momento, permanente. Diz-se que toda conversão é como um grão interior, um derrubar a fortaleza humana em que estávamos tão iludidos a construir. Porém nem todas as conversões são idênticas, tem em comum o foco de luz que projeta a verdade sobre nossos ídolos.
Aqui se situam as histórias de prostitutas que se convertem, sendo uma delas a Vida de Santa Maria Egípcia, que, abraçando um caminho de conversão torna-se mãe espiritual. Maria Egípcia é ícone da verdade teológica do arrependimento. Muitas vezes confundida com Maria Madalena, em seus últimos anos de vida, tem em comum com a figura evangélica o fato de que o maior dos pecados pode ser transfigurado pelo amor de Cristo, na mais sublime glória.
Tendo em mente a última postagem, que relatei um pouco da vida de Maria Madalena, gostaria de acentuar a questão do pecado como prostituição. Veremos no decorrer da vida das Madres, e também na dos Padres do Deserto, este adentrar em si mesmo, no mais profundo do coração para purificar, pela graça do Espírito, o que os separavam de amar a Deus em primeiro lugar.
Temos na vida de Maria Egípicia duas teorias. Hoje estarei apresentando a primeira, que é mais resumida. Na próxima semana iniciarei a segunda, porém a dividirei em algumas partes, por ser um pouco mais longa. Acredito que nos ajudará a compreender que os pensamentos e os caminhos de Deus são bem diferentes dos nossos. Desejo que cada um possa contemplar a misericórdia de Deus ao ler estes relatos.
Maria Egípcia viveu no século IV, era uma prostituta chamada Taíde, tão bela, que muitos, ao vê-la, vendiam por ela seus bens e ficavam na mais extrema miséria; ainda entre seus amantes surgiam brigas a ponto de, com freqüência, os olhos da jovem serem manchados com o sangue dos jovens. Deus cerrava os olhos para que se arrependesse.
Um varão de Deus
Quando o abade Pafanúcio soube disso, tomou consigo um vestido e uma moeda de ouro, e foi ao encontro dela em uma cidade do Egito, provavelmente Alexandria, e lhe deu a moeda como preço do pecado. Uma vez recebida a paga ela disse: “Entremos em casa”. Ele entrou e recostado em um leito coberto de colchas muito valiosas, lhe disse: “se tiver uma cama mais escondida, vamos a ela”. Ela lhe respondeu: “Tem sim; porém se temes aos homens, nada entra nesta habitação mais exterior; em contrapartida, se temes a Deus não existe lugar nenhum que está escondido aos olhos da divindade”. Ao ouvir isso, o ancião lhe perguntou: “E tu sabes que existe Deus?” Ela contestou segura: “Sei que existe Deus e o Reino do mundo futuro, assim como os tormentos futuros para os pecados”. Disse-lhe Pafanúcio:” Se sabes essas coisas, porque tens feito que se percam tantas almas, já que deverás das contas de tuas maldades e serás condenada?”
Quando ela ouviu isto, se prostrou aos pés do monge Pafanúcio e lhe suplicava com lágrimas, dizendo: Dê-me uma penitência, pai; pois confio obter por sua oração o perdão dos pecados. Peço somente um espaço de três horas, e depois irei aonde me mandares, e farei o que me ordenares. Depois que o abade estabeleceu um lugar onde deveria mandar-lhe, ela foi, reuniu tudo o que havia acumulado com o pecado, e colocando-se em meio da cidade diante de todo o povo que a olhava, gritou dizendo: Venham todos os que pecaram comigo, e pegue tudo o que me haveis dado.
Feito isso se dirigiu ao lugar que o abade havia estabelecido; e havendo encontrado um mosteiro de virgens, a colocou em uma pequena cela, selou a porta deixando uma pequena parte para ventilar, onde daí lhe daria um pouco de alimento; e ordenou que cada dia as irmãs do mosteiro a trouxessem um pouco de pão e água. Quando ele estava indo embora, depois de ter fechado a porta, Ela lhe disse: Onde mandas, pai, que eu faça minhas necessidades? Ele respondeu: Na cela, onde melhor lhe pareça. E como lhe perguntara também como deveria orar a Deus, ele disse: Não és digna de pronunciar o nome de Deus, nem elevar em seus lábios o nome da divindade, nem levantar suas mãos ao céu, pois teus lábios estão cheios de maldade e tuas mãos estão manchadas de sujeira; porém sentada, olhe para o oriente e repete sem cessar somente estas palavras: Tu que me haveis criado, tem misericórdia de mim.
Quando passaram três anos que estava fechada ali, o abade Pafanúcio teve compaixão dela, e procurou o abade Antonio para consultar se o Senhor a havia perdoado os pecados ou ainda não. Apresentando-se a ele, contou com detalhes este assunto tão grave, e o abade Antonio convocou os seus discípulos, ordenando-lhes que naquela noite se reunissem todos e perseverassem em oração, para que Deus declarasse o motivo da visita de Pafanúcio. Enquanto todos separados, rezavam incessantemente, o abade Pablo, um antigo discípulo de S. Antonio, viu de repente no céu um leito adornado com bonitos vestidos, guardados por três virgens com rosto resplandecente. Quando Pablo disse: Estes dons são dados para o meu abade Antonio, ouviu uma voz: Não é para o teu abade, mas para a prostituta Taíde. E quando o abade Pablo contou claramente isto, o abade Pafanúcio reconheceu a vontade de Deus, andou e voltou ao mosteiro onde estava a reclusa e abriu a porta que havia fechado, ele lhe disse: Sai, porque Deus perdoou teus pecados. Respondeu Taíde: Tomo a Deus por testemunho que desde que entrei aqui tive sempre diante dos olhos todos os meus pecados, e os meus pecados não sumiram de diante dos meus olhos e sempre chorava ao olhá-los. Aba Pafanúcio lhe disse: Deus não te perdoou pela penitência que fizestes, mas porque pensaste nele com teu espírito. E depois que a tirou dali, Taíde viveu somente quinze dias e descansou em paz.
Acaba aqui o relato. Chama a atenção que apesar das roupas diferentes, Taíde reconhece que diante dela está um homem santo, e o chama de abá. Desde a embriaguez de sua vida pecadora, a graça, por meio do santo, tornou Taíde capaz de destruir o domínio dos seus ídolos. Só o Espírito pode quebrantar e abrandar a pedra dura que cerrava a consciência sepultada na terra da perversão de uma prostituta. Foi uma graça especial a de Taíde. Logo trás uma luz projetada sobre a sua vida, surge assim, a verdadeira compunção. Que como diz João Clímaco é uma dor que transpassa e enche a alma que está cheia de soberba, e não admite nenhuma distração, pensando em todo momento em sua vida pecadora e esperando como a água fresca da consolação e o perdão de Deus.
Hoje terminamos o relato desta primeira teoria da conversão de Santa Maria Egípicia. Que ela possa interceder por nós!

Madre Rosa Maria de Lima, F.M.D.J

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